– Boa n-noite, p-professor. – ela respondeu, puxando a coberta até o pescoço e ajeitando os óculos. Sentiu suas bochechas queimarem. Estevam sorriu, mas nada respondeu, retirando um cacho molhado de sua testa.
– E então, – finalmente disse algo – ela traiu, ou não traiu?
– Que-e? – ela olhou confusa– Quem?
– Capitu. – ele deu de ombros, cruzando os braços em frente ao tórax. – Não chegou nessa parte ainda?
Os olhos da garota perseguiram uma gota de água que descia pelo peito dele, a lua cheia não colaborou com os pensamentos dela. Piscou os olhos rapidamente, retornando ao assunto.
– Ah... –desviou o olhar para a capa do livro. – Eles ainda estão no velório de Escobar, mas eu já li outras vezes. E, não, definitivamente não traiu, Bentinho era claramente possessivo e desequilibrado.
– Ele era apaixonado, ciumento, você não gosta? – sorriu, exibindo os dentes enormes e brilhantes.
– Eu gosto de confiança. – rebateu com sarcasmo, sentindo o susto e a vergonha saírem de seu corpo aos poucos.
– Sabe que quando peguei esse livro, soube que nem mesmo Machado tinha um lado... Tive que ler algumas vezes para chegar às minhas conclusões. – revelou pensativo, contemplando algo aos pés dela.
– E quais são suas conclusões professor? –Scarlet inclinou o corpo, apoiando as mãos nos joelhos.
– Naquela época? Honestamente não importava provar nada. Bentinho estava possuído pela paranoia e pelo luto, já não confiava na Capitu, mesmo não tendo porquê desconfiar. – Estevam falava empolgado, como se contasse uma daquelas histórias do passado que gostamos de compartilhar.
– Eu sinto muito por ela. Uma mulher assim merecia ter ficado com alguém melhor. – Scarlet apontou decidida.
– E o que te faz pensar que ela era tão boa? – questionou.
– A questão é que nunca pareceu ser má. Claramente ela é presa pelo ciúme do Bentinho depois de certo momento na história, pelo menos foi o que eu senti lendo... –deu de ombros, levemente irritada pela fala dele.
– Você acha isso porque foi o que o Bentinho falou sobre ela. Capitu, sabe Scarlet, não tinha nada além do casamento, era impossível para uma mulher na posição dela escolher uma profissão ou ter muitas opções de quem amar. E se tentasse ter... bem vista não seria. O amor até então era artigo de luxo. –A pequena aula de Estevam interessava a garota – Capitu não era como você. – indicou com a mão direita – Ela tinha cabelos escuros como o seu e olhos lindos, como os seus –Scarlet corou – mas não podia fazer um terço das coisas que você faz. Na sua idade ela já era casada. Você quer ser historiadora? Não se pode esquecer de tratar o tempo com neutralidade. -- ergueu o queixo por fim.
– Esse papo de historiador neutro é tão século XIX... – revirou os olhos – Primeiro, Capitu e os outros aqui não existiram, é tudo ficção. – apontou para o livro – Segundo, o que eu sou, e a minha vida, importam sim para estudar o passado, é mito achar que não, o senhor devia saber disso, professor. – endireitou as costas, prestes a continuar um terceiro passo.
– É Scarlet, – quase sussurrou, sacudindo a cabeça – você é muito chata para sua idade, não teve adolescência? – riu novamente sem tirar a atenção dela – Fica lendo historiografia e escolas de análise com 18 anos. Será que não tem vida?
Scarlet se calou, sentia a raiva subindo pelo corpo, fechado as mãos e inflando as narinas, até que explodiu numa reação espontânea ao encher a boca e soltar um sonoro e posturado:
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Castiglia
VampirosO Instituto Castiglia respirava a história colonial brasileira, um colégio e faculdade de tradição católica, rígido em suas normas, onde só quem pudesse pagar, e muito bem, conseguiria entrar. É lá que o professor do curso de História, Estevam C, pa...