CAPÍTULO 8 - O DESEJO DAS SOMBRAS

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O ar saia de seus lábios entreabertos, quente, a poucos centímetros do rosto de Estevam. Tudo demorou um milésimo de segundo, tempo dele voar em um passo da porta até aquela garota trêmula, febril, encolhida entre suas mãos conforme a segurava pelos ombros, pressionando com força a carne macia. O corpo dele, encurvado, a cobria por completo. Estevam sabia muito bem o que queria fazer a seguir, sabia que bastava apenas um movimento rápido e em pouco tempo tudo estava acabado, antes mesmo da mãe e da irmã terminarem de subir as escadas devagar, carregando a menina que dormia. Poderia arrastá-la até o apartamento do lado e ninguém nunca mais a veria, e logo Scarlet seria outra peça de arte em sua parede. Quem sabe faria com as cinzas dela um lindo vaso, quem sabe pintaria a peça com cores bonitas, como os verdes de seus olhos ou o vermelho de sua boca, ou o castanho caramelado de seus cabelos ou o azul de suas veias ou...

O espanto em sua delicada feição era digno de uma pintura, digno de estar no Louvre.

– P-professor? – sua voz, insípida, fraca, falhada, tocou seus ouvidos. – Q-Que is...

Seu cheiro, intensificado pelo calor do corpo, intoxicou Estevam, era doce, lembrava uma flor, como camomila, misturado a um aroma amendoado. Era como uma sobremesa completa, suculenta e sangrenta. Sentiu a saliva o forçando a abrir as mandíbulas, exibindo as presas afiadas, e feito um imã o fazia inclinar-se mais, atrativa. Inalou o cheiro de seu cabelo, deslizando o nariz no lóbulo gelado de sua orelha, descendo até o pescoço. De olhos fechados, Scarlet deitou o rosto sobre o dorso de sua mão direita, ainda segura aos ombros dela, parecia querer convidá-lo, como se aceitasse o seu destino final

– Coloca essa mochila no ombro direito, Helena, vai acabar com sua coluna, minha filha.. – a voz de Carmen ao fundo do corredor o alertou para a plateia.

– Ih mãe relaxa. – a garota retrucou, suas vozes pareciam mais próximas.

Em um segundo de lucidez, o professor a largou, saindo porta a fora.

– Boa noite Carmen. – acenou com a mão rapidamente, destrancando a porta de seu apartamento. – Obrigado pela carona.

– Mas já? Não quer tomar um caf...

Ele bateu a porta atrás de si, soltando o ar.

– Eu em...– Helena quebrou o silêncio – Esquisito.

– Deixa que eu guardo as compras – Scarlet se adiantou em direção às sacolas, desatando com força os nós e abrindo as portas dos armários. – Comprou o que eu pedi mãe? – sua voz saia aguda por mais que tentasse controlar o nervosismo.

– Comprei, o chocolate deve tá nessa sacola da direita, procura aí. – a mãe seguiu para dentro, levando nos braços a mais nova que ainda dormia pesadamente. Scarlet retirou duas latas de leite Moça e a barra de chocolate da sacola e deixou ao seu lado.

– Ai a gente podia ver um filme hoje né, no fita cassete novo. – Helena apontou ao aparelho que compraram no brechó de Marilda.

– Só se for depois da novela. – Carmen disse do corredor.

– Dizem que Tieta vai ser boa, eu gosto da Betty Faria. – Scarlet tremia ao guardar um pacote de arroz no armário ao lado do fogão.

Carmen retornou agitada a cozinha depois de pôr a caçula no quarto, e também começou a guardar algumas coisas na geladeira.

– Eu vou ao banheiro, acho que essa feijoada não caiu bem. – a garota disfarçou voando pelo corredor.

– Aproveita e já toma banho, que hoje é dia de lavar meu cabelo e não quero vocês ocupando o chuveiro. – ouviu a mãe alertar.

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