CAPÍTULO 2- BRINCANDO COM A MORTE

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O clarão veio acompanhado de cheiro de fumo, o homem soltou a fumaça que se dissipou pelos ares, despertando Scarlet de seu susto. A figura misteriosa saiu da luz projetada sobre sua cabeça, tragando o cigarro. Ao dar alguns passos para a frente, levantou de leve a sobrancelha, e acenou com a mão esquerda até ela em silêncio.

– Oi. Há quanto tempo está aí? Eu não te vi. – Scarlet puxou os fones do walkman para o pescoço e desligou o aparelho, guardando-o no bolso da jaqueta. O homem franziu as sobrancelhas, soltando a fumaça respondeu:

– Acredito que o que você deveria perguntar é "Qual o seu nome? Quem é você?". – a voz era grave e baixa, mas firme. Scarlet a reconheceu imediatamente, esse era o homem que estava no hall do prédio fumando, e pior, era o homem que ouviu ela urinar.

– Ah, me desculpe, verdade – "Tonta, burra, você nem sabe se ele estava aí te olhando" Scarlet se xingou mentalmente – Então... qual seu nome?

–Estevam – O homem deu um passo à frente, estendendo a mão para a garota – E você é...

–Scarlet – Ela sentiu seu rosto esquentar de vergonha, sorriu timidamente e estendeu a mão.

Suas mãos eram frias e firmes, mais de perto, Scarlet conseguiu ver seu rosto com nitidez. Estevam era alto, parecia ser forte dentro da roupa social, e tinha uma beleza peculiar. O rosto tinha traços marcantes, sobrancelhas grossas que combinavam com a barba escura feita recentemente e olhos castanhos claros, estreitos e sombrios. Quando despertou de seu devaneio viu que estava a tempo demais chacoalhando a mão dele, rapidamente, puxou o braço.

– Desculpe. – riu em desconcerto, desviando o olhar ao sacudir a cabeça.

– Tudo bem. – Estevam sorriu, exalando mais fumaça. – Aceita? – estendeu o cigarro na direção dela.

– Agora não, obrigada. – negou sem jeito com a cabeça. – O senhor... por acaso mora aqui? – vislumbrou a porta de entrada atrás do homem.

– Sim, no 208, há uns bons anos. – suspirou, havia um pesar em seus olhos, naquele momento escuros pela falta de luz.

– Então é meu vizinho de porta. – sorriu – Moro no 206, na verdade acabei de me mudar.

– Ah... filha da professora nova? – murmurou.

– Isso. –A garota batia os dentes de leve, o frio mineiro era agressivo demais para seu guarda-roupa carioca.

– Está frio. – o homem observou a neblina daquela noite sem lua – É melhor entrarmos. – E simplesmente virou as costas, adiantando o passo rumo à porta. – Você vem, Scarlet?

                                                                                   ***

A cadeira do hall era confortável, o assento macio, mas tinha cara de ser pesada pelo barulho que fez quando o vizinho a puxou para que a moça se sentasse de frente a ele. Scarlet estava bem ao lado da janela, cujas persianas estavam levantadas permitindo que uma parca luz iluminasse seu rosto, enquanto seguiam até lá, descobriu que não é permitido acender as lâmpadas do lugar depois da meia noite, somente as dos corredores. Ela acomodou as pernas abraçando os joelhos com o braço esquerdo tentando se esquentar, passou as mãos pelos cabelos, puxando sua franja pro lado direito, como de costume, ajeitou os óculos no rosto e olhou para Estevam, como se esperasse que o homem falasse algo, desconfortável com o silêncio do desconhecido.

– Então... o senhor trabalha aqui com o quê? – tentou enxergá-lo, mas a sombra o consumia.

– Por favor Scarlet, – ela gostava de como seu nome era pronunciado por Estevam– me chame de "você", não sou tão velho assim...– seus dentes brilharam após um sorriso sarcástico, leitosos e compridos.

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