– Sua aluna chegou a tempo na biblioteca? – Ubiratã perguntou ao irmão que estava de pé, olhando por algo na prateleira de livros.
– Sim, e depois a deixei na porta do refeitório, a mãe estava lá dentro, mas eu não quis entrar.
– Fugindo da Amália? – o homem retirou a taça apoiada na mesinha de centro em frente ao sofá e tomou um gole, lembrando-se da severidade da inspetora. Por isso ele a contratou a final, era severa e rigorosa.
– E da feijoada. – ainda de costas, observava as capas dos livros.
Ubiratã se perguntava como seria o gosto de feijoada.
– É igual a feijão tropeiro com torresmo? – lembrou-se de quando comeu um prato cheio, em uma confraternização com os funcionários do instituto a cinco anos atrás, idéia de Íris.
– Muito mais pesado, o vômito de petróleo veio na metade do tempo.
– Que nojo. – sacudiu-se, buscando por mais um gole do líquido vermelho, contente por nunca mais ter comparecido a nenhum evento do tipo. – Mas e então, leu a correspondência? Ou tinha outro aluno que precisava usar sua fotocopiadora? – não havia como negar, por mais que Estevam reclamasse durante todo o ano, após as férias lá estava ele, preenchendo folhas de presença e corrigindo redações, dando uma ou duas disciplinas por semestre, organizando viagens com os alunos aos museus, sendo o que ele gostava de fato, um professor.
– Por sorte ela é a única que sabe aonde eu moro. – afastou-se da estante, sorridente – Estevam seu burro... ficou lá quando eu fui elaborar a bibliografia... – falava sozinho, se dirigindo em direção ao corredor, desaparecendo por uma das portas. – Sim, eu li! – ouviu o grito vindo de lá dentro após alguns segundos. – E se a descrição da testemunha for verídica, – retornava, sacudindo nas mãos um livro de capa azul, agora indo para a porta de seu quarto – não demora muito pra achar o sujeito. – a voz se abafou um pouco, – Fala sério, quantos padres ruivos que são capazes de escalar o muro de uma mansão existem em Santa Catarina?
– Não sabemos se ele é padre... e por favor Estevam, para de andar feito uma barata! – e o irmão finalmente voltou à sala, com aquela expressão de sempre: os olhos revirados e a boca contraída.
– Achei um livro importante que tinha perdido, mas pronto. – sentou-se no sofá, pegando a taça que havia deixado esfriando, e colocou na boca – E eu tenho certeza que é um padre. Quem mais saberia que se um vampiro beber sangue de uma pessoa morta ele morre em poucas horas? Quem teria a frieza de abrir a boca desse vampiro morto e colocar um crucifixo de prata lá dentro? Ao contrário do que eles pensam, prata não nos mata, mas no fim ele quis passar uma mensagem... – agitava-se no sofá.
–Me parece muito... teatral. – falou à Estevam, coçando o queixo, considerando todos os fatos.
– A igreja é teatral, irmão. Já parou pra pensar que a história da bíblia nada mais é que uma peça de teatro muito, mas muito, longa?
– Estevam, não é assim também. – e mais uma vez, a paixão do caçula e sua alma de pesquisador o fazia começar seus monólogos analíticos.
–Carruagens de fogo, pragas e pragas no Egito, Moisés e o mar vermelho. E nem comece a falar do novo testamento, Jesus descendo do monte com Deus o iluminando, aquela história da ceia, a traição de Judas, qual é? – sorria, batendo a mão esquerda na coxa, dando mais umas de suas aulas universitárias – Porra, isso é pura Broadway, Bira.
– Certo, – apenas aceitou – mas além da simbologia e da psicanálise barata, – a taça se esvaziara, o que o obrigou a levantar-se até a cozinha, onde só havia um único tipo de comida, disposto numa licoreira de vidro. – o que você concluiu de útil que possa nos ajudar? – e logo a taça se encheu novamente.
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Castiglia
VampireO Instituto Castiglia respirava a história colonial brasileira, um colégio e faculdade de tradição católica, rígido em suas normas, onde só quem pudesse pagar, e muito bem, conseguiria entrar. É lá que o professor do curso de História, Estevam C, pa...