A Ironia do Destino

IX

Nico Moretti

29-01-2024, Verona, Itália

Acordei com a pouca luz de um dia cinza invadindo o quarto pelas frestas da cortina mal fechada, os olhos pesados pela noite anterior, mas a mente desperta, já tomando conta da situação ao meu redor. O corpo quente ao meu lado me fez lembrar onde estava. Levanto ligeiramente a cabeça e vejo a moça deitada na cama ao meu lado, ainda vestida com a roupa de ontem, o cabelo espalhado pelo travesseiro como um mar negro de ondas suaves.

Ela dormia profundamente, o peito subindo e descendo em um ritmo calmo, as mãos delicadamente pousadas sobre o lençol. Lembro-me de como a trouxe até aqui. Ela estava completamente bêbada, e ninguém lembrava de onde era a sua casa, ou ao menos estava em condições de dirigir. Eu fiz o que qualquer um faria. Levei-a para um lugar seguro. Ryan não se importaria, e parecia a solução mais sensata no momento. Certo?

Pisquei lentamente, tentando acalmar a sensação incômoda de ter alguém ali, ao meu lado, sem que nada tivesse acontecido. Respirei fundo. Estava tudo bem. Fiquei mais um segundo parado antes de me levantar com cuidado. Peguei uma toalha limpa no armário e fui em direção ao banheiro. O barulho suave da água do chuveiro me ajudou a organizar os pensamentos.

Depois do banho, sentindo a água quente lavar a tensão, vesti uma roupa que deixei separada no armário de Ryan. Uma camisa de linho branca, de corte impecável, combinada com uma calça larga bege. A escolha era casual, mas de uma elegância que só o estilo clássico carregava. O tecido caro sobre a pele me fazia lembrar do que me definia. Um colete de malha, leve, completou o visual, dando aquele toque final que sempre fez as pessoas me verem como um homem de classe. Era o estilo "old money", algo que, mesmo sem forçar, estava no meu DNA.

Saí do quarto, ainda pensando em como lidar com ela quando acordasse. A noite no Oásis havia sido intensa, e o jeito que ela olhou para mim algumas vezes... bem, havia algo ali. Eu só não sabia o quê. Desci as escadas, tentando afastar esses pensamentos da cabeça.

Na cozinha, Ryan estava sentado à mesa, mexendo no celular, com uma caneca de café na mão. Ele me olhou por cima da borda da caneca com aquele meio sorriso sarcástico que eu conhecia tão bem.

- Acha mesmo que eu não vi você entrando ontem com aquela moça riquinha do Oásis? - Ryan quebrou o silêncio da manhã com uma voz arrastada, cheia de provocação.

Eu suspirei, sabendo que a conversa ia ser longa. Puxei uma cadeira e me sentei de frente para ele, passando as mãos pelo cabelo ainda úmido.

- Não foi o que você está pensando. Ela estava muito bêbada e não tinha como levá-la para casa. Ninguém lembrava onde era, e todos estavam nas mesmas condições. Então... - dei de ombros. - Trouxe-a para cá. Melhor do que deixá-la por aí, né?

Ryan deu uma risada curta, apoiando o cotovelo na mesa, enquanto me observava atentamente.

- Certo, certo. Cavaleiro de armadura brilhante. - Ele fez um gesto com a mão, imitando alguém segurando uma espada. - Mas você sabe tão bem quanto eu, Nico, que o problema não é o fato de você tê-la trazido pra cá. É a forma como vocês dois se olhavam ontem.

Franzi o cenho, meio desconcertado. Ele continuou, sem perder o ritmo.- E não me diga que não percebeu. Vocês estavam trocando olhares o tempo todo. E, cara, vou te dizer... a mulher é bonita. Muito bonita.

Eu me inclinei para trás na cadeira, sentindo as palavras dele acertarem mais fundo do que eu gostaria de admitir. Sim, Marcella era incrivelmente bonita. E não só isso. Ela tinha uma presença. Um jeito de dominar o ambiente sem precisar falar muito. No bar, durante a noite, nossos olhares se cruzaram mais de uma vez, e a forma como seus olhos brilharam, mesmo quando ela tentava ser fria comigo, era inegável.