A Ironia do Destino

XII

Nico Moretti

05-02-2024, Verona, Itália

   Eu estava observando Marcella de longe, como tinha feito nos últimos dias. Não gosto de me aproximar demais, especialmente quando sei que ela tem dificuldade em confiar, mas há algo nela que me atrai, algo que insiste em caminhar sempre na linha entre força e fragilidade.

   Era final de tarde, e a universidade começava a esvaziar. A maioria dos alunos tinha aula de manhã ou no início da tarde, então aquele era um dos melhores horários para andar pelas áreas mais tranquilas da universidade. E foi em um desses momentos que a vi ao longe, sentada no banco de pedra sob as árvores, um pouco afastada do movimento, lendo um livro. A cena teria sido pacífica, se eu não tivesse notado o homem que se aproximava dela.

   Ele parecia deslocado naquele ambiente, um homem de uns quarenta anos, talvez mais, vestido de maneira casual. Ele movia-se em direção a Marcella com uma expressão curiosa, talvez até amistosa.

   Tentei não chamar atenção, mas continuei observando. Sabia que ela odiaria se eu intervisse sem motivo aparente, mas também não podia deixar que algo acontecesse. Eu estava prestes a virar e fingir que não o tinha visto, mas o vi falar algo a Marcella e vi sua expressão endurecer. Ela virou o rosto de um jeito que conheço bem, um tipo de expressão que me fazia lembrar o que ela tentava esconder, uma expressão dura, mas defensiva. Meu coração acelerou.

   Dei um passo mais para perto, sem que ninguém notasse, para ouvir o que ele dizia.

- Ah, não se preocupe, Marcella, só quero conversar- ele dizia, com uma leve arrogância na voz.

   Marcella se afastou, fechando o livro em seu colo, claramente desconfortável, mas mantendo o rosto erguido. Não conseguia ouvir cada palavra, mas seu corpo tenso e a forma como ela desviava o olhar não deixavam dúvidas de que ele a fazia sentir-se vulnerável. Isso fez meu sangue ferver.

- Eu te conheço de algum lugar, não conheço? És filha de um grande homem de negócios? - insistiu ele, cruzando os braços e avançando um pouco mais, o sorriso estranho não combinando com o rosto de alguém que estava simplesmente curioso.

   Aquilo me pareceu um jogo de intimidação. Tive de me controlar. Não podia avançar sem razão, mas sabia que ele tinha ido longe demais no momento em que vi Marcella se encolher levemente, uma reação que, para alguém como ela, era até estranho eu diria até um grito de alerta. Tive de agir.

   Andei na direção deles, tentando parecer o mais casual possível, como se tivesse simplesmente tropeçado naquela cena.

- Está tudo bem por aqui? - perguntei, mantendo a voz calma, mas o suficiente para atrair a atenção do homem e fazer Marcella perceber que eu estava lá.

   O homem virou-se, me olhando de cima a baixo. Ele sorriu, mas era um sorriso vazio.

- Ah, claro, tudo em ordem. Só estava a ter uma conversa interessante com esta jovem - respondeu ele, tentando soar amistoso, mas sua voz estava carregada com uma intenção que apenas alguém atento notaria.