"Vamos onde ventar, menina."

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Minha cabeça simplesmente não funcionava. Eu ouvia palavras, mas elas não faziam sentido na minha cabeça. Enquanto Olivia falava sobre o prédio, eu só ficava pensando em como ela conseguia disfarçar o sotaque europeu no seu tom profissional. Era estranho ver ela e ter vestígios na minha mente dela bebendo, vestida como uma adolescente dos anos 80, escorada naquela moto  dela. Era difícil não pensar na garota que arrumou briga na balada, na que invadiu a galeria, que pulou um muro. Invadimos uma propriedade e agora ela estava na minha frente, super séria, vestida de maneira formal e apresentando a planta-baixa da estrutura da futura empresa.

— Esse é o plano inicial — encerrou Olivia, falando sobre algum projeto do qual eu não prestei atenção por estar focada em não entrar em pânico por ter bebido tanto com ela, sabendo do saco plástico com bitucas de cigarro no seu bolso, que aquele corpo estava cheio de tatuagens por baixo daquela camisa social preta. Ela parecia confortável ali, na ponta da mesa, discutindo a ideia inicial da estrutura. Eu não entendia uma palavra que saía daquela boca. Ela olhou para mim e molhou os lábios.

— O que você acha, senhora Keoghan? Está gostando? Você está com uma cara estranha. Se tiver alguma reclamação, prefiro que seja agora, porque essa é a base do projeto e, futuramente, caso decida querer mudar isso, terei que refazer todo o desenho.

— Não, com certeza... — falei, ajeitando minha postura, jogando meu corpo para frente e olhando os papéis cheios de gráficos com barrinhas coloridas que eu não fazia ideia do que significavam. Eu apreciava o Barry por querer minha opinião naquilo, mas, apesar da empresa — no papel — ser nossa, eu não entendia nada dali. Minha área era fazer peças de roupa e... espera, do que ela me chamou?

— Me chamou de senhora Keoghan? — perguntei.

— Sim, senhora — ela respondeu, me olhando nos olhos, mas eu sentia que ela queria rir.

— Senhora Carpenter — corrigi. — Eu tenho um sobrenome, venho de uma família que lutou, e eu não quero parar de ouvi-lo só porque me casei.

— Okay, me desculpe, senhora Carpenter — ela sorriu, dando um leve sorriso com o canto da boca. — Algum comentário sobre o projeto?

— Não, está ótimo como está. — respondi, vendo Barry rir ao meu lado. Ele sabia que eu não fazia ideia do que era o projeto.

— Olivia, tá perfeito, você está fazendo um ótimo trabalho e... — ele começou, tentando amenizar a situação, mas Mikael abriu a porta.

— Barry? Posso falar com você? É meio urgente. — Mika perguntou, parecendo agitado. O sorriso no rosto mostrava que não eram más notícias.

— Não, claro, tô indo. Louis, assume aí. — Barry se levantou e foi até Mika.

— Enfim, Olivia, é isso. — Louis riu. — Acho que você trouxe um projeto inicial bem rápido e adorei a ideia de dois prédios ligados por um menor que vai servir para as aulas que oferecemos, inicialmente. É uma ideia muito boa mesmo; ia deixar tudo mais organizado, porque quem gravar um EP já sabe onde ir, e quem quer um curta também. Parabéns! — Ele encerrou, se levantou e apertou a mão dela. Saiu da sala logo depois, me deixando ali vendo ela recolher seus papéis.

— Senhora Keoghan, sério? — perguntei, sentindo o clima ficar mais leve com só nós duas na sala. De repente, parecia que estávamos de boa. Não era o mesmo que antes, mas estava mais tranquilo. Quem diria que precisávamos só beber para resolver isso?

— Qual é, Sabrina. — Falou Olivia, pronunciando meu nome com sotaque francês. — Estávamos numa reunião. Normalmente, chamamos um casal pelo sobrenome do marido; eu não concordo com isso, mas é assim que funciona. Preciso manter o tom durante as reuniões.

Kairós - salivia.Onde histórias criam vida. Descubra agora