"We drew a map to a better place but on that road i took a fall."

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Me joguei na cidade como quem pula em uma piscina. Sabrina segurava minha cintura, e eu mal podia acreditar que aquilo estava acontecendo. Talvez, apenas talvez, ela estivesse bêbada demais para lembrar que estava brava comigo por algo que aconteceu anos atrás. A lembrança da briga era tão nítida que, por vezes, eu me esquecia que ela e eu tivemos o momento mais importante da minha vida antes daquilo. A noite estava limpa, o céu pontilhado com um milhão de estrelas, cada uma com uma história diferente. Eu sentia como se aquela noite pudesse durar para sempre. No fundo, era como se a qualquer instante eu fosse acordar, e tudo isso se desmancharia diante dos meus olhos, e eu estaria novamente deitada no meu colchão no chão do meu apartamento.

Paramos em frente a uma conveniência, com um enorme prédio abandonado à frente e várias pessoas caminhando por ali, sem grandes preocupações. Era início da semana, e a movimentação era basicamente de universitários que tinham ido ao show e não estavam nem aí para gastar dinheiro e faltar à aula do dia seguinte. Estacionei minha moto e caminhei até o pequeno mercadinho, precisava de mais cigarros e cerveja.

— Moço, boa noite, me vê... — Olhei o painel, procurando o cigarro que pediria. — Marlboro, o da caixinha azul, esse aí. — Falei, pegando minha carteira e analisando os isqueiros para minha coleção. — Vou pegar duas Budweiser, quanto deu?

— Vou cobrar 20, moça. — O rapaz avisou, parecia cansado.

— Aqui, obrigada. — falei, pegando meu cigarro e indo até o freezer buscar a cerveja.

Já com as duas cervejas em mãos, saí da conveniência e abri as duas garrafas na mureta de madeira, estendendo uma para Sabrina. Ela pegou e brindou sua bebida com a minha.

— Onde aprendeu isso? — ela perguntou. — Abrir garrafas assim.

— Aprendi quando estava me tornando uma alcoólatra quase expulsa da faculdade. O vício ruim acabou, mas ainda sei um truque ou dois. — Sorri, estendendo a cerveja.

— Uau. — ela disse. — Você quer falar sobre essa época da sua vida?

— Talvez daqui a duas cervejas. — brinquei, mas era verdade. Talvez um pouco mais alterada que isso eu fale.

Sentamos lado a lado naquela mureta de madeira e ficamos observando a rua. Estar com Sabrina naquele momento era como ter uma juventude que não pudemos ter. Os inúmeros desencontros da nossa vida nos tiraram muita coisa. Apesar de todos os momentos que vivi ao lado dela, muitas das coisas nos foram tiradas, proibidas, dificultadas. Respirei fundo, analisando o prédio à nossa frente com mais atenção.

— O que era para ser aqui? — perguntei, não conseguindo identificar a construção.

— A pergunta certa seria o que era aqui. — Sabrina se aproximou de mim, parecendo mais sóbria agora. — Era uma galeria de arte. Houve uma infiltração de água há alguns anos e todo o prédio ficou parado com promessa de reforma. Nunca aconteceu. Tiraram e refizeram toda a parte que molhou e mofou, mas nunca fizeram o acabamento para voltar a ativa.

— Uau, uma galeria de arte? — pensei por um momento. — Acho que vi notícia sobre isso, era a Galeria Abigail de Andrade, não era? Eu vi a notícia enquanto estava na França. Uau, foi um estrago enorme. O governo não cuidou disso?

— Olivia, até parece que as coisas funcionam assim por aqui: enquanto houver pressão, tem ação. Assim que a mídia fecha os olhos, o povo larga. Foi assim com o museu, foi assim com a vereadora, foi assim com o catador de latinhas que escolheu um péssimo dia para andar com um Pinho Sol em mãos.

— Eu sinto tanto por isso. — Suspirei fundo. — O que fizeram com as artes que eram expostas?

— Eu... eu não sei. — Ela franziu o cenho. — Tem grandes chances de nunca terem sido tiradas daí.

Kairós - salivia.Onde histórias criam vida. Descubra agora