"Era provar pra todo o mundo que eu não precisava provar nada pra ninguém."

87 17 2
                                    

— Desculpa o atraso — falei, quando Barry e eu chegamos à casa do meu pai.

A casa dele ficava em uma rua qualquer, mas era uma rota alternativa de uma avenida principal, e hoje estava particularmente cheia por causa de um show que ia acontecer ali perto. Barry e eu não tínhamos falado muito desde a confissão dele, mas aquilo continuava martelando na minha cabeça. Afinal, no fundo, eu era a maior vilã do meu romance com Olivia. Estava aérea, sem foco; queria passar o resto da noite deitada na minha cama, olhando para o teto e refletindo. Pensar nisso reabria a mesma ferida com uma nova faca. Agora, a dor não era porque eu a mandei embora, mas porque, se eu realmente não ligasse para minha própria sexualidade, eu não teria me proibido por tanto tempo de estar com ela e não teria desistido tão fácil. A história havia mudado. Eu realmente a amava como achei que amava? Como eu poderia dizer que a amava se eu não queria assumir para ninguém que estava com ela? Espera, eu e Olivia já estivemos juntas?

— Filha? — meu pai chamou, devia fazer alguns longos minutos que eu estava parada na porta. — Não vai entrar?

— Vou, vou sim — balancei a cabeça. — Estava só distraída. — Entrei logo, impedindo-o de falar sobre. Barry já estava na sala, vendo TV no canal de esportes, coisa que ele odiava.

— E aí, Barry, viu o jogo de ontem? — meu pai perguntou, sempre tentando fazer o Barry se interessar por futebol, basquete ou até mesmo vôlei feminino, só porque as meninas de shortinho eram incríveis. Eu ficava mais animada com isso do que meu marido. Pensando agora, a confissão dele de mais cedo fazia todo sentido. Barry nunca pareceu atraído por uma menina. Ou por alguém. Apesar de lembrar de um episódio na nossa infância envolvendo ele e o Matheus. Os sorrisos, os olhares...

Barry negou com a cabeça e meu pai pareceu desistir do assunto, indo para a cozinha. Mantive meus olhos no Barry, analisando seu comportamento.

— Vai ficar me encarando? — Barry perguntou, mas minha cabeça voltou anos atrás, quando Olivia me fez essa pergunta. Por alguns segundos, meu chão deixou de existir e eu sentia como se estivesse de volta ao banheiro do meu colégio. Balancei a cabeça e me sentei ao lado dele, querendo conversar.

— Eu queria te pedir desculpas — falei, abraçando-o. — Eu não sabia que não conseguir lidar com isso era tóxico para você.

— Brina, é que... — Barry me abraçou de volta. — Não é que eu queira dizer o que você é ou deixa de ser, mas eu sou seu melhor amigo. Eu me casei com você. Eu moro com você há quatro anos. Eu sei que não foi uma fase e queria que você enxergasse isso também.

— Eu vou pensar nisso, querido. - Me aconcheguei nele, vendo o programa.

— Quer que eu mude para o vôlei feminino? — Ele perguntou, fazendo carinho no meu cabelo.

— Com toda certeza, desculpe, Neymar. — Brinquei, enquanto ele tirava o jogo de futebol.

— Os pombinhos vão passar o dia no sofá? - Meu pai perguntou, voltando da cozinha.

— Foi um dia cheio, pai. — Falei, sentindo os ombros pesarem.

— Como está na empresa, filha?

— Eu e a Gracie conseguimos a oportunidade de criar uma linha de peças para uma estação. Se der certo, vai se tornar uma linha fixa. A Renata está colocando bastante confiança na gente. — Falei. Renata era minha chefe.

— E a criatividade está fluindo?

— Tem que fluir, né?

— Vocês dois são muito corajosos por trabalhar com algo tão incerto, sabe? Mexer com arte e essas coisas exige uma criatividade constante, é muito instável e nesse mercado nunca se sabe as tendências; vai saber o que inventam amanhã ou depois. - Fechei os olhos, sabia aquele discurso. E sabia onde ele ia parar. — Acho que você devia fazer outra faculdade, sabe, filha? Só para segurança, sei lá, cursar enfermagem, letras... você também, Barry, podia fazer medicina, direito.

Kairós - salivia.Onde histórias criam vida. Descubra agora