- 4 -

2 0 0
                                    


Dessa vez, a reação de Cybelle foi se desconectar imediatamente, refugiando-se na realidade exterior até seu coração desacelerar. A sensação que tinha era que toda a sua vida era uma mentira, e que não havia um só lugar no Masterverso em que estivesse segura. Agora mesmo, Zenão podia estar à espreita, sabendo que ela havia descoberto sua mentira e preparando algo para silenciá-la.

Pensando assim, inclusive, achou que, enquanto houvesse uma só máquina conectada em sua casa, poderia estar em risco. Mas a possibilidade de desligar tudo ou sair de casa não tinha o menor cabimento, porque simplesmente não havia nada em Um Mundo fora da realidade virtual. Sem mencionar que já era noite, e que ela não fazia ideia de como se deslocar ou fazer qualquer coisa no mundo exterior. Nesse caso, só o que poderia fazer era ficar sozinha e isolada ali até morrer de fome — o que, obviamente, era uma alternativa pior do que se arriscar na VR.

Assim, depois de respirar fundo, acomodou-se na cama outra vez, fechou os olhos e foi direto para o saguão do escritório, onde calculou que estaria segura. E, dali, a primeira coisa que fez foi procurar uma cabine de comunicação, de onde poderia enviar uma mensagem a Benício sem se expor com os próprios comunicadores. Talvez não estivesse tão protegida assim com essa estratégia, mas se sentia mais segura do que se estivesse fazendo isso desde sua página inicial.

Gravou uma mensagem contando em detalhes o que tinha visto e onde estava quando aconteceu, incluindo os resultados de sua pesquisa sobre os homens e o registro completo com imagem e som do momento em que foram mortos. Concluiu dizendo que estava no escritório e que não sabia o que fazer, pois tinha medo de voltar para ambientes pessoais e ter que confrontar o marido. Então, pediu que ele a ajudasse da forma que fosse possível.

O escritório tinha dezenas de ambientes dispostos como varandões nas encostas de um cânion, abrindo-se para uma paisagem estonteante que mesclava natureza e construções hipertecnológicas de uma cidade imaginária. Os varandões eram ligados entre si por linhas coloridas e luminosas, bastando tocar nelas quando se queria ir de um ambiente a outro. Apesar das dezenas de pessoas que circulavam por ali 24 horas por dia, a sensação que o lugar transmitia era de tranquilidade, alegria e despojamento.

Cybelle se aproximou da borda da plataforma para contemplar a paisagem, demorando-se na observação de detalhes que nunca havia reparado antes. Pássaros cruzavam o céu a cada pouco, e uma brisa suave acariciava sua pele como se dissesse que tudo ficaria bem. E, de alguma forma, aquilo conseguiu mesmo acalmá-la, esvaziando seus pensamentos pelo menos por um tempo.

Deve ter ficado ali por no mínimo uma hora. Mais de uma vez, reparou em olhares confusos lançados em sua direção, pois ninguém estava acostumado a uma atitude como aquela. Mas não se incomodou com isso. Respirava fundo e devagar, deixando cada inquietação se perder na paisagem ou perceber como era pequena diante dela. Por fim, a voz de Leona, veio tirá-la daquele seu estado de meditação.

— Algum problema? — perguntou a chefe. — Nunca a vi aqui a essa hora.

— Hm... É — disse Cybelle, lentamente retornando a si. — Meio que... as coisas não estão muito bem em casa.

— Aff — fez Leona. — O escritório está cheio disso, principalmente à noite. As políticas de segurança tornam o lugar ótimo para se esconder. E realmente — acrescentou, indicando a paisagem com um gesto de cabeça — os programadores foram muito felizes em criar um ambiente agradável.

— Sim — concordou Cybelle. — É libertador. E acolhedor ao mesmo tempo.

— Escute — disse a chefe, mudando o tom de repente —, quer uma desculpa para sair um pouco de casa? Tenho um ambiente para avaliar na realidade exterior amanhã bem cedo, e a pessoa que ia fazer isso acabou de me avisar que ficou doente.

Cybelle e a Incerteza CibernéticaOnde histórias criam vida. Descubra agora