- 2 -

2 0 0
                                    


O primeiro impulso de Cybelle foi de procurar a polícia, mas, como não tinha a menor ideia do que acabara de ver, achou melhor não comprometer a si mesma e ao marido antes de falar com ele.

Enquanto esperava, contatou os servidores deles para ver se descobria alguma coisa, mas não teve muita sorte. Por fim, fez alguns prints do seu registro de imagens e pesquisou pelo androide e pelas instalações em que ele estava, chegando a publicar em fóruns de maneira anônima para tentar obter outras informações. Quanto ao androide, descobriu apenas que era um robô de segurança popular até algumas décadas antes. Já nos fóruns, pelo menos enquanto suportou acompanhar, ouviu apenas bobagens e teorias da conspiração das mais absurdas.

Seu nível de ansiedade era tanto que o Appsiquê resolveu intervir, avisando-lhe que sua tutora tinha um tempo disponível e perguntando se ela gostaria de atendimento. Como estava mesmo muito perturbada, Cybelle aceitou sem hesitar, considerando que a tutora tinha um poder único de acalmá-la nas piores circunstâncias. Assim, poucos minutos mais tarde, estava em sua sala habitual de atendimento online, falando rápido e sem parar e narrando nos mínimos detalhes o que havia presenciado.

A tutora, que se chamava Carmem e usava um avatar de uma mulher de meia-idade, ouviu tudo atentamente, sem esboçar reação até Cybelle afundar em sua poltrona, em silêncio, como se quisesse apenas desaparecer. Então, respirou fundo algumas vezes e falou com a voz tranquila:

— Não há dúvidas de que a cena que você presenciou é muito grave, mas o mais importante é não tirar conclusões precipitadas. Lembre-se: se você não pode resolver, não adianta se preocupar; se pode, não há por que se preocupar.

Cybelle inspirou profundamente, sentindo uma tensão distante no seu corpo se desfazer, enquanto, ali, seus pensamentos ganhavam mais clareza e objetividade.

— Acho que só vou saber depois de conversar com ele — falou, por fim. — Mas, não sei, com o que aconteceu antes, não consigo me livrar da sensação de que alguma coisa está errada. Digo: alguma coisa entre nós. Não sei se com ele ou comigo.

Carmem se sentou na ponta da poltrona e se empertigou para falar, como se estivesse esperando por aquele momento por muito tempo.

— Como você se sente ao pensar que alguma coisa está errada em seu casamento? — perguntou.

Cybelle ia dizer que se sentia mal, é claro. Afinal, é assim que as pessoas se sentem quando algo não está bem em seu casamento. Mas então se deu conta de que aquilo não era totalmente verdade. Assim, deu um meio-sorriso triste e respondeu com o olhar perdido na distância:

— Às vezes eu sinto que ele me limita. Que a imagem que eu tenho de mim não combina com a de uma mulher casada. Não que eu não goste dele, é só que... Talvez...

Ficou procurando as palavras, até que Carmem completou com a voz firme e sem rodeios:

— Talvez você não goste dele.

Cybelle esboçou uma reação incômoda, mas a tutora continuou:

— E não há nada de errado em admitir isso, mesmo que, no fundo, a parte sua que gosta seja maior do que a parte que não gosta.

Cybelle respirou fundo de novo, refletindo sobre aquilo, até que finalmente desatou a falar outra vez:

— Ele é tão... adorável. Nunca existiu a menor razão para não me casar com ele. Somos amigos desde os catorze anos, ele me entende e me respeita mais do que ninguém. Se eu disser para ele que gostaria de sobrevoar uma assembleia com um avatar de pterossauro, ele é capaz de hackear o sistema deles e me colocar lá voando na mesma hora. Sem exageros, acho que se eu pedir para ele se jogar de uma ponte, ele vai lá e se joga. A única coisa que ele nunca vai fazer é me ferir, por nada nesse mundo.

Cybelle e a Incerteza CibernéticaOnde histórias criam vida. Descubra agora