Correram por ruas desconhecidas e desertas, temendo cada robô ou veículo de serviço que passava e tentando evitar todas as câmeras de segurança, o que não era nada fácil. Mas, como não sabiam até onde Faustek era capaz de ir, desconfiavam de tudo e qualquer coisa conectada ao Master, e só pararam quando encontraram um beco deserto e aparentemente sem nenhum sistema de vigilância.
Cybelle estava exausta, sem nenhum preparo físico para uma corrida como aquela. Precisou de uns bons vinte minutos para normalizar a respiração, encolhida entre caixotes sujos enquanto Benício se mantinha alerta a tudo que pudesse estar se aproximando.
Durante todo esse tempo, a única coisa que ele disse, a certa altura, foi:
— Eles não queriam nos acertar. Eles não teriam errado, se quisessem.
Cybelle pensou sobre isso, mas não conseguia encontrar lógica em nada do que havia acontecido. E, de tudo, a forma como o menino a olhou chamando-a de "mamãe" era o mais difícil de entender e de apagar dos pensamentos. Tinha um desejo quase incontrolável de voltar lá para resgatá-lo, ainda que custasse sua vida, mas sabia que essa não era uma alternativa, ao menos por enquanto.
Quando se sentiu capaz de falar outra vez, comentou:
— Eu arriscaria usar um transporte público, agora, mas não sei onde me sentiria segura. Certamente, não na minha casa.
— Eu sei para onde ir — disse Benício, com segurança. — Estava tentando convencer a mim mesmo que não correremos risco em um transporte. Você assume a responsabilidade, caso aquela coisa acabe nos matando?
Cybelle baixou os olhos, triste, sentindo-se justamente responsável por tudo o que estava acontecendo. Se não tivesse sido tão cega e percebido logo que Zenão era uma IA, nada daquilo teria acontecido. E não foi por falta de oportunidade, já que eles eram próximos há tantos anos.
— Desculpe — falou Benício, vindo para mais perto e procurando estabelecer contato visual. — Péssimo senso de humor. Não a culpo por nada do que aconteceu ou do que possa vir a acontecer. A culpa é daquela máquina assassina. Ela faz isso há muitas décadas e você nunca teve nada a ver com isso.
— Acha mesmo que o menino pode ser meu filho? — ela perguntou sem pensar.
Benício se desconcertou um pouco com a pergunta, mas, afinal, respondeu:
— Poderia, sim. Faustek só precisaria de um óvulo seu.
— Mesmo que eu não possa ter filhos?
— Acho que sim — respondeu Benício, em dúvida. — Mas quem disse que você não pode ter filhos?
A pergunta a atingiu como um raio que ao mesmo tempo a feria e enchia de esperança. Zenão ficou ao seu lado durante todos os exames e, no fim, assumiu a responsabilidade de lhe dar a notícia. Sendo uma IA, teria facilmente fraudado os resultados, mas nem isso precisou fazer, porque ela não quis vê-los.
— Para onde você pensou em ir? — ela perguntou, por fim.
— Apesar de tudo — ele disse —, ainda tenho um amigo no Departamento de Controle de IAs. Quer dizer, ele não é exatamente um amigo, mas, com certeza, poderia nos ajudar agora. Ainda mais quando souber que encontramos Faustek.
— Vamos para lá — falou Cybelle, decidida.
Benício olhou para ela com uma expressão séria, como se quisesse dizer alguma coisa, mas sem conseguir. Em vez disso, suas bochechas ficaram vermelhas de repente, e ele desviou o olhar rapidamente, levantando-se e dizendo:
— Vamos.
O amigo que ele tinha no Departamento se chamava Abel e morava com a mulher e uma filha pequena em um bairro não muito longe dali. Ele resistiu a recebê-los, mas, de fato, cedeu quando Benício contou que havia descoberto o paradeiro de Faustek. Quando abriu a porta, sua filha, Kary, que não devia ter mais do que três anos, veio rapidamente abraçar as pernas de Cybelle.
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Cybelle e a Incerteza Cibernética
Fiksi IlmiahCybelle quase nunca sai da realidade virtual. Ela se casou há pouco tempo e vem se destacando em seu trabalho, um dos poucos em Um Mundo em que os humanos ainda competem com IAs. Mas nem tudo é o que parece em seu casamento, e algumas revelações per...