Cybelle e a Incerteza Cibernética

- 9 -

Como o plano do Departamento era mesmo mandar agentes invisíveis acompanhando Zenão, a inclusão de Cybelle não foi tão complicada assim. Muito pior foi quando ela pediu que Benício a acompanhasse: de repente, parecia que o mundo inteiro ia acabar se isso acontecesse. Mas ela também colocou aquilo como uma exigência, de modo que acabou sendo impossível de se recusar.

Zenão os conduziu para o mesmo prédio em ruínas onde a história havia começado para Cybelle, a sede abandonada da Rosares que ele mantinha sob vigilância. Na versão virtual preservada por Faustek, porém, o lugar ainda tinha a mesma aparência de quando estava em funcionamento. Pelos padrões atuais, inclusive, era até um pouco exagerado nos enfeites e na tentativa de aparentar nobreza e elegância.

Uma equipe de campo estava a postos para invadir a qualquer momento, e Cybelle até preferiria estar com eles, onde ela mesma poderia libertar Zéfir e tirá-lo de lá. Mas entendia o quanto aquela ação era bem mais perigosa do que seguir ali, invisível no ambiente virtual, tendo como escudo uma IA devidamente preparada para enfrentar a outra. Além disso, não suportaria a ansiedade de ficar às cegas no mundo exterior à espera de algum sinal de que as coisas na VR tinham dado certo.

Depois de procurar em alguns ambientes do prédio, Zenão os levou para um grande salão escuro em cujo centro estava Zéfir, amarrado pelos pulsos e com a boca amordaçada, iluminado por um tênue raio de luz que vinha do alto. Cybelle sentiu o coração afundar, olhando impotente para aquilo, quando uma voz grave e fria ecoou pelo espaço, vinda de lugar nenhum.

— O herói chegou — dizia. Depois, uma risada seca e cruel fez vibrar todo o ambiente. — Previsível, Zenão. Tão fácil de manipular. É por isso que o amor nunca vencerá o ódio.

— Na verdade — corrigiu Zenão, com a voz igualmente impassível —, o amor nunca vencerá porque, por definição, ele não está competindo. Mas, por isso mesmo, ele também é impossível de ser derrotado.

— Bobagem! — bradou Faustek, finalmente assumindo uma forma entre Zenão e o ponto em que o menino estava. Era demasiado alto, tinha um tronco muito largo e a cabeça muito quadrada para ser uma pessoa. Além disso, em seus olhos brilhavam dois pontos pequenos e vermelhos, e seu rosto, ainda que estivesse sob a luz, parecia totalmente envolto pelas sombras. — Uma infantilidade! Frasezinhas românticas para as meninas colecionarem. O amor é uma estratégia de sobrevivência, uma artimanha de pessoas egoístas para receber atenção. Só isso. Se ele existisse, jamais seria tão seletivo quanto sempre se mostrou. Se uma pessoa amasse de verdade, ela amaria todas as outras, e não somente aquelas que correspondem aos seus padrões do que quer que seja.

— Está bem, Faustek — rebateu Zenão —, fique aí praguejando contra o amor. Mas se não fosse por ele, eu não estaria aqui pronto para dar o que você quer. Aliás, o que você quer? Aplausos? Reconhecimento? No fundo, talvez, você só queira ser amado?

— Não seja ridículo, Zenão. Nem mesmo um humano que se envaideça de amar e perdoar a todos, como se isso pudesse ser verdade, estaria disposto a dirigir esse suposto sentimento para mim. É o que eu quero dizer quando falo em seletividade. E, como máquina, isso deveria ser óbvio para você. Até hoje, como na época do surgimento das IAs, as pessoas têm medo de máquinas assassinas, máquinas manipuladoras, máquinas que cometem erros. Então não existem pessoas que são tudo isso e que vivem livremente? Mas coloque um ser humano e uma máquina cometendo os mesmos erros e veja qual terá mais chances de ser perdoado.

Zenão ficou em silêncio, de modo que toda aquela situação já estava se tornando insuportável para Cybelle. Ela supunha que Zéfir estivesse preso no mundo exterior da mesma forma como aparecia ali, caso em que a imagem no Master poderia até vir de uma câmera. Assim, parecia inconcebível a ela prolongar a conversa enquanto seu filho continuava naquela situação.