(3313 palavras)
Eu sempre fui apegada a Painho. Ele era tudo pra mim, o meu mundo. Não tinha nada que ele não fizesse pra me ver sorrir, desde os bolos mais deliciosos até cada brinquedo que eu via na televisão. Eu era pequena quando pedi aquele ovo de Páscoa da Barbie. Eu queria tanto, queria demais, e chorei até minhas lágrimas virarem soluços. "Isso que dá mimar essa menina, Emanuel," reclamou Mainha. Mas Painho, com aquele sorriso calmo que só ele tinha, respondeu: "Já ia ir na rua mesmo, na volta eu compro o seu ovo de pascoa minha princesa."
Naquele instante, eu parei de chorar, confiando nas palavras dele como sempre. Me sentei no sofá e comecei a assistir "Barbie e o Quebra-Nozes". Esperar não era problema, porque eu sabia que ele voltaria. Ele sempre voltava, com algo nas mãos, mesmo eu não pedindo nada, e com amor nos olhos. Foi então que o telefone tocou. Mainha atendeu. Eu pausei o filme e corri até ela, ansiosa, achando que era ele. Eu queria falar com Painho, saber que horas ele ia chegar. Mas, de repente, ela desligou o telefone e o colocou sobre a mesa. Eu insisti, perguntando se era ele, que horas ele voltava, onde estava o meu ovo. Só que Mainha... ela começou a chorar. Eu não entendi. Eu só a abracei, sem saber o que estava acontecendo. Mais tarde, veio a verdade: um bêbado atropelou Painho. Na saída do mercado. Quando ele tava trazendo meu presente. Tudo por minha culpa. Se eu não fosse tão mimada o meu pai estaria aqui com a gente.
Depois do enterro, o vazio da casa só aumentou. Era só eu, Mainha e a minha avó, que se mudou para cá. E, como eu odiava aquela velha. Quando Mainha saía para trabalhar, ela acendia cigarro dentro de casa, tomava cerveja que ela mesma comprava, e soltava suas opiniões cruéis, especialmente sobre mim. "Seu pai te enchia de bolos, por isso você é tão gorda", ela dizia com desprezo. E eu sempre defendia Painho, sempre, com cada fibra do meu ser, porque ela não tinha o direito de falar assim dele. Mas teve um dia... um dia que eu nunca vou esquecer. Ela me olhou com aquele olhar amargo e despejou: "Se você não fosse uma gorda mimada, ele estaria aqui."
Essas palavras cortaram mais fundo do que qualquer faca. Eu já carregava a culpa nos ombros desde o dia que ele não voltou. Mas aquilo... aquilo foi o suficiente para me despedaçar por dentro. As lágrimas vieram com força, e eu corri para o meu quarto. Me joguei na cama e desejei nunca mais sair. O mundo lá fora não me queria, eu não queria mais enfrentar o peso da minha existência. Mas, de repente, lembrei que naquela noite tinha culto. Meu pai era católico, amava ir à igreja. Era ali que ele encontrava paz, força. Ele parecia feliz lá. Então, a noite, levantei da cama. Vesti minha roupa mais bonita, como se aquela fosse uma homenagem a ele, coloquei o colar com uma cruz de madeira que ele sempre usava e fui com Mainha para o "Santuário de Nossa Senhora das Candeias", o lugar onde ele sempre buscava a luz.
A igreja era imensa, mas o que mais me chamava atenção era a sua história. Diziam que, anos atrás, quando tentavam construir a igreja voltada para Candeias, ela desabava no dia seguinte. Nenhuma pedra ficava em pé, nenhum tijolo conseguia resistir. A construção era maldita, deve ser culpa de satanás. diziam. Então, num último ato de fé, decidiram mudar a orientação da igreja, construí-la de costas para a cidade. E foi só então que as paredes se mantiveram de pé. Para mim, isso sempre foi um símbolo de algo mais profundo, como se até o destino soubesse que a força não vem sempre do lugar que esperamos, mas de onde menos imaginamos.
Quando entro ali, sinto uma paz que não encontro em nenhum outro lugar. As paredes antigas, o cheiro de incenso, as velas que tremeluzem nas capelas... tudo parece sussurrar palavras de conforto. Foi a fé que me manteve de pé todos esses anos. Nas noites em que a dor da perda apertava, nas madrugadas solitárias onde eu me perguntava por que a vida tinha tirado Painho de mim, eu encontrava forças naquelas paredes. Eu rezava até o cansaço vencer, e quando o silêncio tomava conta de mim, era como se Deus estivesse ali, segurando minha mão. E, de algum modo, cada vez que entro nesse santuário, sinto o meu pai mais perto. Talvez porque ele amava esse lugar tanto quanto eu, ou talvez porque ele me ensinou a buscar conforto na fé quando tudo parecia desmoronar. Às vezes, quando fecho os olhos durante o culto, quase posso ouvir sua risada suave, como se estivesse logo ali ao meu lado, sorrindo para mim. Mesmo na ausência, é ali que ele parece mais presente.

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Período Branco
Teen FictionBruno/Blue, e seu amigo Rédi. Unem forças com Ariel. Juntos, têm o objetivo de acabar com o reinado de, Dom, líder dos jogos de azar da escola.