Além das aparências | Livro 1

Capítulo : 14

"O homem deseja tantas coisas, mas precisa de tão pouco." - Goethe

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FLASHBACK DEZOITO ANOS ATRÁS •

Os olhos iam se abrindo lentamente; a claridade incomodava um pouco e o barulho das máquinas apitando trazia uma sensação estranha de como se algo não estivesse bem. Percorreu o olhar por todo o ambiente, que era totalmente desconhecido. Tentou se mexer, mas era como se uma tonelada de ferro lhe prendesse o corpo, impossibilitando-o de levantar daquela cama. Esforçou-se para tentar falar que estava acordado, mas foi impossível. Um incômodo percorreu sua garganta que queimava ... sentia uma dor tremenda na cabeça, talvez atrás do pescoço; ele não sabia definir bem ainda onde era o local exato. Fechou os olhos enquanto algumas lágrimas caíam sobre seu rosto; de repente, lembrou do momento em que foi atropelado. Seu subconsciente lembrara de Renato; uma agonia se propagou, queria saber do irmão. Será que ele estava bem? Será que tinha conseguido livrar o menor da batida? Sentia-se inútil por não conseguir se mexer ou simplesmente gritar; porém, conseguiu visualizar uma mulher de branco entrando dentro do quarto, correndo imediatamente em sua direção, sorrindo gentilmente, mas em poucos segundos sua visão foi embaçando até tudo ficar novamente escuro ..

A noite chegou; Rafael acordava pela segunda vez naquele mesmo dia, porém agora encontrava sua mãe e seu pai bem pertinho de si. A aparência dos dois não era das melhores. Marta tinha uma expressão de felicidade e ao mesmo tempo tristeza; seus olhos inchados, talvez pelo choro, enquanto o senhor Luís estava abatido, cheio de olheiras e muito sério. O adolescente novamente tentou falar, mas nada saiu; sua voz parecia que tinha morrido. Procurou alguma resposta nos pais que perceberam que ele queria se comunicar..

- Oi, Rafa. - a mulher parte a fala - que bom que você acordou, meu amor! Não se preocupe, sua voz voltará em breve; por enquanto, tente relaxar!

- Você nos deu um susto e tanto, meu campeão; salvou seu irmão. - força um sorriso, - olha, o Renato está ótimo, viu?! E logo você irá para casa! Rafa, o médico vai passar aqui amanhã e explicar tudinho o que está acontecendo; papai e mamãe não vão sair do seu lado, ok? Essa noite dormiremos aqui com você, meu filho! - se emociona, - agora , descanse!

Na manhã seguinte, o médico, com muita paciência, vai tentando explicar tudo que tinha acontecido com ele em dois meses; SIM, Rafael estava em coma por esse tempo todo. Explicou que o rapaz tinha sofrido uma lesão medular de nível alto, lhe deixando tetraplégico, por isso a falta dos movimentos do corpo. Falou sobre a questão da fala; precisaram fazer uma traqueostomia para auxiliar ele a respirar melhor. O adolescente não entendeu muito bem, mas em sua cabeça ingênua pensava que logo iria ficar bom; não precisava se preocupar...

Mas a realidade foi ao contrário. Com o passar dos dias, ele foi percebendo o quão grave era o seu estado de saúde. Demorou mais um mês para conseguir falar, graças às fisioterapias respiratórias intensas que tinha todos os dias, sem contar em todas as atividades e na rotina extremamente exaustiva que acontecia diariamente. Tudo o cansava rápido demais, o que era uma grande ironia, pois só vivia deitado; não conseguia mover nem mesmo o pescoço, que estava imobilizado por um colar cervical. Seus pais viviam alternando as noites; nunca iria esquecer a primeira vez que foram tentar sentá-lo na cama depois de quase quatro meses deitado. A sensação foi horrível; em poucos segundos acabou desmaiando. Pior ainda, o primeiro banho; ele pensou que seria maravilhoso sentir a água quente em seu corpo, mas foi tudo horrível; não sentiu coisa nenhuma, as enfermeiras lhe dando o banho sentado, todo amarrado por fitas para não cair; não tinha controle de nada. Antes, o banho era no leito, o famoso banho de gato, que sempre lhe deixava constrangido; nunca tinha passado por uma situação semelhante.