113 d.C
Alicent, com Dhaelyra nos braços, afastou-se lentamente da janela, onde Canibal agora permanecia quieto, observando de longe como um vigia silencioso. Seus enormes olhos de fogo, antes inflamados de fúria, agora seguiam cada movimento da rainha com uma calma inquietante. Viserys estava boquiaberto, incapaz de compreender a cena que acabara de presenciar. O som do trovão, lá fora, parecia distante agora, como um murmúrio, comparado ao caos que tomava conta da sala.
— "Como ela conseguiu?" sussurrou Aemond, seus pequenos olhos cintilando de fascínio e medo. "Ninguém pode domar o Canibal..."
— "Nem mesmo os Targaryen conseguiram," murmurou Helaena, seus dedos brincando com uma mecha de cabelo enquanto seus olhos permaneciam fixos em Dhaelyra, como se a irmã recém-nascida fosse um enigma a ser desvendado.
Daemon deu um passo à frente, seu corpo tenso como uma corda prestes a se romper, e os olhos cravados em Alicent com uma intensidade que fazia o ar ao redor deles vibrar de ódio.
— "Isso não é poder dos Targaryen," ele cuspiu, sua voz repleta de escárnio. "Isso é feitiçaria. Magia vil, como aquela que foi usada nos tempos antigos para dobrar os dragões à vontade dos homens."
— "Daemon," começou Viserys, levantando a mão em um gesto de apaziguamento, mas Alicent o interrompeu.
— "Você teme o que não pode entender," disse ela, sua voz baixa, mas carregada de uma confiança que ninguém, nem mesmo Otto, jamais vira nela. "Eu não precisei de feitiçaria para acalmá-lo. Foi a língua dos nossos antepassados, o sangue do dragão que corre em mim e em minha filha."
O silêncio que se seguiu era como uma faca cortante. Viserys, ainda abalado pelo que testemunhara, virou-se para Daemon, que mantinha o olhar fixo em Alicent, com ódio fervendo em suas veias.
— "Chega, Daemon," disse Viserys com firmeza, sua voz agora assumindo o tom autoritário de um rei. "Não há lugar para acusações vazias nesta sala. O que testemunhamos foi um milagre... ou um sinal dos deuses."
Daemon lançou um último olhar de desprezo para Alicent antes de se afastar, como uma serpente recuando, mas seu olhar continuou cravado na filha recém-nascida de Viserys. Era como se ele soubesse que aquele evento não era o fim, mas o início de algo muito maior e muito mais perigoso.
Otto Hightower, que até então se mantivera em silêncio, finalmente deu um passo à frente, os olhos frios como o aço enquanto olhava para a filha.
— "A rainha precisa de descanso, e o bebê também," disse ele, com a voz austera. "Esta tempestade já nos trouxe perturbações demais por uma noite."
Viserys concordou com um aceno hesitante, embora seus olhos não se desviassem de Alicent, cuja força repentina parecia desafiá-lo a questioná-la.
— "Sim," concordou ele, ainda atordoado, "todos devem se retirar."
Enquanto os cortesãos e os membros da família lentamente começavam a sair do quarto, Alicent permaneceu ao lado da cama, com Dhaelyra aninhada em seus braços. A cada passo dado por Daemon em direção à porta, ela sentia o olhar venenoso dele em suas costas, mas ela não desviou os olhos de sua filha. Havia algo ali, algo que nem ela mesma conseguia compreender completamente, mas sabia que, desde o momento em que sentira a presença de Canibal, uma nova força havia despertado dentro dela. Uma força que ela nunca soubera possuir.
Quando a sala finalmente ficou vazia, exceto por Viserys, Alicent e Otto, o rei se aproximou da esposa, o olhar ainda perplexo.
— "O que foi isso, Alicent?" Ele se abaixou, sua mão gentil pousando sobre a testa de Dhaelyra, que dormia profundamente, como se a tempestade lá fora e o rugido de dragões fossem apenas sons distantes de um sonho. "Como você fez aquilo?"
Alicent olhou para o marido, sua expressão agora suavizando-se. Ela suspirou, cansada, mas dentro dela uma chama permanecia acesa.
— "Não sei, meu rei," respondeu ela em um sussurro. "Mas sei que o destino desta criança está ligado ao daquele dragão de alguma forma. Eu o senti... o sangue de ambos é o mesmo."
Viserys passou a mão pelos cabelos, sua mente sobrecarregada com a miríade de pensamentos que agora o assombravam. Ele queria acreditar que o nascimento de Dhaelyra era um presente, mas não podia ignorar a estranheza de tudo aquilo.
— "E se... e se Daemon estiver certo?" ele perguntou hesitante, seus olhos buscando os de Alicent. "E se for mais do que apenas sangue de dragão? Algo... além disso?"
Alicent permaneceu em silêncio por um momento, mas então, com uma determinação que a surpreendeu até a alma, ela balançou a cabeça.
— "Não," disse ela firmemente. "Dhaelyra é nossa filha, Viserys. O sangue do dragão flui nela, assim como flui em Aegon, Helaena e Aemond. Não é feitiçaria. É destino."
Otto, até então em silêncio, observava tudo com o olhar calculado de um estrategista, seus pensamentos girando em torno da cena que presenciara.
— "Pode ser destino," disse ele finalmente, sua voz suave mas cheia de gravidade, "ou pode ser um aviso."
Alicent virou-se para o pai, seus olhos verdes faiscando.
— "Aviso de quê?"
— "De que este dragão pode estar esperando por algo mais," disse Otto, cruzando os braços. "Ou alguém."
Viserys e Alicent se entreolharam. Mas antes que pudessem continuar a discussão, um som profundo e ressonante ecoou mais uma vez pelo castelo. Canibal rugia, mas desta vez, seu rugido parecia um chamado distante, como se estivesse esperando... e observando.
Dhaelyra, nos braços de Alicent, mexeu-se suavemente, soltando um pequeno suspiro enquanto seus olhos roxos se abriram pela primeira vez, brilhando como as estrelas do céu noturno.
E naquele momento, todos souberam. Dhaelyra Alyssa Targaryen não seria uma criança comum. Ela era a filha do dragão.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Entre Dragões e Serpentes
FantasyEm um mundo dividido pela lealdade e pela ambição, a Casa Targaryen luta para manter seu domínio sobre os Sete Reinos. Os dragões, armas poderosas que garantiram o trono, agora se tornam a causa de uma guerra devastadora entre os herdeiros da famíli...