CAPITULO VI: O Vínculo de Sangue

119 11 3
                                    

Alicent ficou em silêncio, olhando para os olhos profundos de Dhaelyra. Sabia que o que acontecera naquela noite não era apenas um milagre ou uma mera coincidência. O sangue Targaryen corria nela, ainda que fosse apenas uma gota. E mais do que isso, o cheiro de Dhaelyra – o sangue fresco da criança, misturado ao dela – fora o que acalmara o dragão. Canibal, o dragão selvagem e indomável, havia respondido àquela mistura rara de linhagens.

Viserys finalmente rompeu o silêncio, sua voz hesitante, mas firme.

— "O que aconteceu lá... com Canibal," ele começou, "não pode ser explicado apenas pelo sangue. Alicent, você nunca foi uma Targaryen. Como é possível que o dragão tenha obedecido a você? A muitos homens, ele já devorou sem piedade."

Alicent olhou para o marido, seus olhos verdes se estreitando, mas havia uma nova calma nela, algo implacável.

— "Não é sobre ser ou não ser Targaryen, Viserys," respondeu ela, segurando Dhaelyra com mais força contra o peito. "É o sangue que flui em mim agora, que flui nela," Alicent apontou para a filha. "Canibal não veio por mim. Ele veio por ela. Eu só... estava no caminho."

Viserys a olhava, incrédulo. Mas Alicent sabia que falava a verdade. Desde que o dragão rugira, algo dentro dela despertara – um poder adormecido, alimentado por Dhaelyra, o sangue de dragão puro e recém-nascido. Os sentidos de Canibal não tinham apenas percebido a presença de um Targaryen na sala, mas algo muito mais profundo. Ele sentira um chamado que nem mesmo Alicent conseguira compreender por completo.

— "Isso é um absurdo," resmungou Otto, cruzando os braços em sua postura severa. "Alicent, você não está pensando com clareza. O poder desse dragão é uma ameaça, não um presente."

— "Ameaça?" Alicent se virou para o pai, sua voz cortante. "Se não fosse por mim, Canibal teria destruído este castelo, devorado todos nós. Ele estava furioso. Senti isso quando ele rugiu pela primeira vez. Ele não rugia por raiva... Ele rugia por algo que havia sentido pela primeira vez em anos: um cheiro familiar, o sangue de dragão verdadeiro, o sangue Targaryen misturado ao meu."

Otto arregalou os olhos, mas logo os estreitou novamente, como se tentasse entender o que exatamente a filha queria dizer.

— "Então é isso?" ele perguntou, sua voz fria. "Você acredita que sua conexão com Dhaelyra fez o dragão recuar?"

Alicent assentiu, firme. Sabia que soava insensato, mas era a única explicação que fazia sentido. A criança em seus braços era a chave para tudo aquilo. Dhaelyra era especial. Desde o nascimento, ela carregava uma presença ancestral, um chamado para o mais feroz dos dragões.

Viserys parecia lutar internamente. Amava Alicent e confiava nela, mas as palavras dela desafiaram tudo o que ele sabia sobre dragões e sobre sua própria linhagem. Ele, um Targaryen de sangue puro, nunca conseguira domar Canibal. Nenhum Targaryen em séculos havia sequer tentado, por medo de morrer. E, no entanto, ali estava sua esposa – uma Hightower, com apenas traços de sangue Targaryen em suas veias através de Dhaelyra – e o dragão havia obedecido a ela.

— "E se for verdade?" perguntou Viserys, mais para si mesmo do que para os outros. "E se o poder que Dhaelyra carrega for maior do que imaginamos?"

Otto balançou a cabeça, sua postura rígida, incapaz de aceitar o que ouvia. Mas antes que pudesse responder, outro rugido cortou o ar. Canibal, mais uma vez, chamava. Era um som mais profundo, menos furioso, mas ainda assim ressoava pelo castelo como um trovão distante.

Alicent fechou os olhos por um momento, sentindo a reverberação no ar. Ela sabia o que o dragão queria. Ele estava chamando. Não por vingança, mas por reconhecimento. E embora ela soubesse que isso poderia soar absurdo, também sabia que a conexão que se formara entre ela, Dhaelyra e o dragão não poderia ser ignorada.

— "Eu preciso ir até ele," disse Alicent, sua voz decidida.

— "O quê?" Otto deu um passo à frente, sua expressão atônita. "Você não pode! Alicent, isso é loucura!"

— "Ela tem razão," Viserys interveio, com um suspiro pesado. "Canibal não vai parar até que seu chamado seja respondido. Mas desta vez... eu vou com você."

— "Você não pode," Alicent o interrompeu, com suavidade. "Ele não quer você, Viserys. Ele quer Dhaelyra. E ele... quer a mim."

A sala ficou em silêncio mais uma vez. Viserys e Otto estavam divididos entre medo e preocupação, mas Alicent sentia uma clareza inabalável. Ela sabia que essa conexão com Canibal não era algo que poderia ser explicado com lógica. Era um laço antigo, algo mais profundo do que a compreensão humana. E se havia algo que aprendera ao longo dos anos como rainha, era que o poder dos dragões ia muito além de força bruta. Ia até a alma.

— "Eu voltarei," prometeu Alicent, segurando a mão de Viserys por um breve momento. "Mas preciso fazer isso sozinha."

Viserys hesitou, seu rosto envelhecido traindo o cansaço e a incerteza. No entanto, sabia que Alicent estava certa. O destino da sua filha, e talvez de sua própria linhagem, dependia daquela decisão. Ele assentiu lentamente.

Alicent, segurando Dhaelyra contra o peito, caminhou até a janela, onde o vento da tempestade ainda rugia. Canibal, parado em uma das torres próximas, a observava atentamente, seus olhos queimando como duas brasas vivas na escuridão.

A rainha respirou fundo e, com um último olhar para Viserys, murmurou novamente as palavras em valiriano, palavras que pareciam vir de um lugar ancestral, profundo e primal.

— "Soves, ziry issi iā kepus," ela sussurrou, "Ele está aqui por seu sangue."

Dhaelyra, como se compreendesse o que a mãe dissera, abriu os olhos pela primeira vez desde que fora acalmada e, em silêncio, observou o enorme dragão à distância. Os olhos de ametista da criança brilharam sob o luar, refletindo o olhar antigo de Canibal.

Alicent estendeu a mão. E, como se o próprio dragão a aceitasse, Canibal inclinou sua colossal cabeça em direção a ela.

Era claro, naquele momento, que algo além de simples sangue Targaryen ligava Dhaelyra ao dragão.

Entre Dragões e Serpentes Onde histórias criam vida. Descubra agora