A tristeza acompanhava-o de tempos em tempos. Em verões que apresentavam o sol mais forte e brilhante, em invernos que congelavam a relva do quintal e aumentavam o orvalho nas folhas da manhã, em outonos quietos com galhos desolados, em primaveras floridas de todas as cores; em qualquer estação, a tristeza lhe visitava.
Mas havia intervalos na sua partitura de vida diária que o arrebatavam. Quem disse ser as pausas elementos fúteis na música? O silêncio serve para causar maiores impactos na próxima nota, ou ampliar as sensações nos próximos acordes a serem tocados. Quando Roberto chegou em casa, depois de uma longa viagem, entre barulhos abruptos dos motores de ônibus e uma tarde fria, encontrou a tristeza. Os braços eram pêndulos pesados balançando alternadamente. Tinha a sensação de que sustentava uma bigorna em cada ombro e as pernas se arrastavam pelo corredor da casa. A mão girou a maçaneta da porta com dificuldade. A inexistência tomou o seu peito e o desânimo o levou até a cama.
Por quase duas horas, Roberto olhou para cima sem expressão, encarou o teto branco, as palmas das mãos encostando no lençol e os pés tocando o chão. Tentou arrancar do peito o vazio e se levantou. A gravidade continuava empurrando-o para baixo. Abriu a porta do banheiro e entrou desamparado. No canto dos olhos úmidos, juntavam-se gotas amargas. As pálpebras caíram e se fecharam como as cortinas de um palco depois de uma tragédia. No canto do seu rosto escorria a água de choro. Roberto fungou pesaroso e suspirou fazendo o peito crescer como um balão prestes a estourar. Tirou as roupas e as deixou ir ao chão como mortalhas de chumbo que vestia um moribundo radioativo. Pensou em berrar algo para fora, um canto de morte desesperador, antes de perceber o abatimento de suas cordas vocais incapazes de produzir qualquer palavra. Ficou de frente ao chuveiro e esperou a água sair. As gotas geladas causaram arrepio deixando-o ouriçado. A lassidão em seus braços impedia-os de se erguer e mudar a temperatura da água. Ele então entrou no banho frio, desamparado.
Em algum momento quando a vida não parece mais fazer sentido, podem surgir lapsos de alegria. Viver era-lhe tão úmido quanto uma noite na floresta acampando e tão abafado quanto um mês nas fumaças das fábricas de cidades grandes, empenhado em suas multitarefas. A quietude da natureza, o vento gelado entre as árvores, a singela fogueira mantendo uma fraca chama acesa. A solidão, às vezes, machucava-o; outras raras vezes, alegrava-o. Era um bibliófilo perdido do ninho, habitando uma casa solitária, sem parentes ou vizinhos, sem laços e cores, sem grupos e contatos. Fazia cinco anos desde que batera as suas asas sobrevoando para longe, a mais de dois mil quilômetros de distância dos pais e dos irmãos, distante de todos os graus de parentescos. Roberto ainda não havia sentido o gosto doce e refrescante de solitude até abrir aquela carta em cima de sua mesa.
Talvez estivesse apaixonado pela letra dela, que formava palavras e frases compostas de adjetivos cativantes, numa carta amarela; enamorado pelas suas leituras e por descobrir que o seu único original compunha a humilde prateleira de livros da biblioteca de H. A música triste em sua cabeça havia parado. Ele sorria encarando o nome dela. Na verdade, era uma pausa na sinfonia daquela noite, eram pequenos lapsos de alegria no meio da orquestra.
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Outubro
PoetryOutubro é um conjunto de textos escritos no mês que dá nome ao título. O intuito principal era compartilhar momentos da vida cotidiana e experiências que, às vezes, deixamos passar. Com um estilo mais poético em prosa, espera-se ser capaz de transmi...