2 - Tomo um café com minha ex-mulher

247 45 20
                                    

Era tarde, e Momo não tinha o hábito de tomar café a essa hora, mas acabou passando um, propositalmente bem forte. O buquê de flores estava no mármore da ilha de sua cozinha americana, esquecido, e, do outro lado, estava Lisa, a encarando enquanto bebericava seu café.

Havia sido necessária muita força de vontade para acabar convidando Lisa para entrar. E sequer foi exatamente um convite. Momo pensou que, se tinha que fazer isso, que pelo menos não fosse no corredor, onde todos os vizinhos poderiam ouvir. Faziam anos que ela não olhava na cara dela. Momo estava a achando extremamente diferente e, ao mesmo tempo, extremamente semelhante.

Em certos aspectos, ainda era a mesma Lisa por quem Momo havia se apaixonado quando jovem, a Lisa que incentivava seu lado artístico, a Lisa que olhava para Momo como se ela fosse a única obra de arte do mundo, a Lisa que cheirava a algum perfume amadeirado e fumaça de cigarros, de uma forma que deixava Momo louca. A mesma Lisa que teve Koko com ela, que segurou sua mão durante todo o tempo de gestação após resolverem fazer a inseminação artificial. Lisa, que estava do seu lado quando aquela bebê, que antes mesmo de sair de sua barriga já havia se tornado o mundo de Momo, nasceu.

E também a mesma Lisa que se transformou após os primeiros meses da criança. A Lisa que não queria responsabilidades, Lisa que fugia e passava noites fora, voltando sem dar explicações, após deixar Momo com uma bebê chorando. Lisa, que, quando Momo se sentia menos desejável do que nunca enquanto se olhava no espelho com um corpo de pós gravidez, a traiu. Lisa, que não demonstrou remorso quando Momo disse que não queria mais aquele relacionamento, e que saiu sem hesitar, achando que o dinheiro que passaria a depositar mensalmente ajudaria a criar a filha no seu lugar.

Por outro aspecto, a Lisa em sua frente agora tinha um olhar cansado, um peso invisível sobre os ombros, enquanto a encarava.

— As flores não eram para você — Lisa disse, quebrando o silêncio. — São para Koko.

— Melhor assim — Momo respondeu, seca. Tomou um gole de café e ficou feliz por tê-lo feito forte, pois a ajudava a manter a sanidade, a amargura do líquido a puxando para o mundo real.

— Onde ela está? — Perguntou Lisa, e olhou em volta, como se buscasse sinais da filha. Óbvio que Lisa nunca saberia que cada pequeno detalhe naquele apartamento era um sinal de Koko, já que nunca conviveram o suficiente para que entendesse. Desde as almofadas amarrotadas no canto do sofá que a filha gostava de ficar, até os imãs de desenhos e idols na geladeira.

— Na casa de uma amiga — foi toda a informação que Momo entregou. Mentalmente, acrescentou um felizmente. Assim a filha não precisaria presenciar essa cena absurda nas últimas horas de seu próprio aniversário.

— Oh... — Lisa coçou a nuca, parecendo, de certa forma, desconcertada. — Vim aqui contar algo para ela. Mas, bom, de qualquer forma, acredito que também é algo que preciso contar para você.

— Se adiante — na realidade, não tinha muitos motivos para Momo apressar Lisa, além de querer logo a mulher fora de seu apartamento. Mas aquilo era mais do que o suficiente.

— Vou me mudar.

Momo deu uma pequena risada de escárnio. Se sentia um pouco infantil por, após tantos anos, não conseguir tratar a ex de outra maneira. Mas, ao mesmo tempo, sabia que tinha seus próprios machucados e suas próprias razões.

— Fala sério, Lisa. Como se você não tivesse ido para os Estados Unidos tempos atrás e ficado ausente por anos. Acha que essa notícia é realmente tão importante para precisar voltar para a Coréia, dar ela?

Lisa deu um sorriso como se Momo estivesse brincando com ela, embora ambas soubessem que não era o caso. Deu uma pequena tossida e prosseguiu.

— Acho que eu não teria voltado para a Coréia apenas para contar, né? O ponto é que estou voltando de vez para cá.

choosing a motherOnde histórias criam vida. Descubra agora