É a Ana, não é? - parte 2

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Ana suspirou ao dobrar as últimas peças de roupa, colocando-as com cuidado na mala. Sabia que, uma vez que Chiara contasse ao pai, as chances de permanecerem naquele hotel diminuiriam drasticamente. Já havia avisado dona Cida para começar a fazer suas próprias malas. Partiriam dali em dois dias, talvez antes, se conseguissem voos para o Brasil. Nenhuma das duas desejava ficar ali mais um minuto do que fosse necessário — cada uma com seus motivos. Dona Cida preocupava-se também com o filho mais velho e preferia não se envolver ainda mais na tensão entre as duas famílias.

Ana estava fechando a mala quando ouviu uma batida suave na porta. Seu coração disparou, e ela parou por um instante, temendo o que poderia encontrar. Ela já imaginava aqueles olhos tristes de Chiara, o olhar perdido que tanto a afetava.

Quando abriu a porta, lá estava Chiara. A postura ereta de sempre, o meio sorriso hesitante, e uma expressão carregada de tudo o que ela queria e temia dizer. Ana sentiu um aperto no peito e, sem dizer uma palavra, segurou Chiara pelo antebraço, puxando-a para dentro do quarto e fechando a porta atrás de si.

Ela a envolveu em um abraço apertado, sem pressa de soltá-la. Chiara pareceu finalmente relaxar nos braços de Ana, sua respiração profunda, como se aquele simples gesto fosse tudo de que precisava naquele momento.

Nenhuma delas ousou quebrar o silêncio por um momento,permitindo-se apenas sentir a presença uma da outra, mesmo que talvez o tempo delas ali estivesse chegando ao fim.

Quando se soltaram, Chiara respirou fundo, buscando as palavras para desabafar.

– A conversa com o meu pai foi... – hesitou, a voz embargada. – Ele disse coisas que doeram, coisas que me deixaram com vergonha. Disse que "ninguém precisa saber que eu sou assim" e que eu ainda tinha tempo de consertar tudo.

Ana segurou suas mãos com carinho, o olhar repleto de compreensão.

– Eu... sinto muito por isso, Chi... E a sua mãe? Ela disse alguma coisa?

Chiara esboçou um sorriso triste.

– Ela só me deu um abraço forte e pediu que eu desse notícias. Acho que... talvez uma parte dela compreenda.

As duas ficaram em silêncio por um momento. Chiara olhou para as mãos entrelaçadas com as de Ana, absorvendo o calor do toque

– Ela... Pediu que você desse notícias?

— Eu preciso te contar uma coisa... — Chiara respirou fundo e Ana assentiu, encorajando a italiana com o olhar.

— Quando saí de casa, aos dezoito, e fui pra Nova Iorque fazer faculdade... foi como me libertar de uma prisão que eu nem sabia que existia. De repente, eu podia tudo. Eu vivi coisas que nunca imaginei, fiz coisas que nunca teria feito se meus pais estivessem por perto.

Ana ouvia atentamente, os olhos mergulhados nos de Chiara, absorvendo cada palavra.

— Logo que eu me formei, eu reencontrei um professor, um violonista — Chiara disse, com uma sombra de amargura surgindo em sua expressão. — Meus pais odiavam ele. Eu achava que era puro preconceito, por ele ser árabe, mais um dos absurdos do meu pai. Mas no fim... eles estavam certos. — Ela soltou um suspiro longo, o olhar perdido por um instante. — Eu me joguei nesse relacionamento. Achei que era amor... mas não era. Era uma doença, eu era louca por ele, mas ele me fazia sentir tão... pequena.

Chiara baixou os olhos, como se ainda estivesse revivendo as feridas daquela época, antes de continuar:

— Depois de um tempo com ele, eu perdi a confiança em mim mesma, na minha música e, por fim, no meu próprio discernimento. Minha carreira... parecia que ela não significava mais nada. Eu não tinha mais forças pra continuar sozinha, então voltei pra casa, pra debaixo das asas dos meus pais.

Ana apertou a mão de Chiara gentilmente, o polegar acariciando sua pele de forma reconfortante. O gesto silencioso dizia que estava ali, que a compreendia.

Chiara ergueu o olhar e encontrou o de Ana.

— Eu sei que quero viver isso... Nós... Mas antes eu preciso preciso me curar de verdade e entender quem eu sou, ficar um tempo sozinha. Só eu, com os meus pensamentos, com o presente. Eu... Acho que vou pra Nova Iorque, retomar minha vida profissional, me reconectar com a minha música e com velhos amigos que se tornaram minha família... e, principalmente, comigo mesma.

Ana assentiu, os olhos levemente marejados, mas com um sorriso de encorajamento.

– Eu entendo, Chiara. Você precisa disso. Vá, se reconecte. Eu quero que você se encontre, Alessandra...

Chiara sentiu o peso da emoção crescer, e seus olhos encheram-se de lágrimas. Não tinha coragem de dizer adeus, de soltá-la. Desviou o olhar, até notar as malas de Ana prontas ao lado da cama. Sentiu um aperto no peito.

– Você... Já vai embora? – perguntou com a voz vacilante.

– Vou dar o espaço que você precisa – Ana respondeu, gentil, mas decidida. – Minha mãe e eu vamos encontrar outro lugar. Não quero ficar aqui te pressionando, Chi. Você merece esse tempo para si.

Chiara a olhou intensamente, já sentindo o vazio que ficaria quando ela se fosse. Aproximou-se, segurando o rosto de Ana com delicadeza, como se gravasse cada detalhe em sua memória.

– Não sei se consigo me despedir de você, Carolina...

Ana sorriu, com um misto de dor e ternura.

– Não é um adeus. É só... um até logo, até que você se sinta pronta. Vou estar aqui, mas respeitando o seu tempo.

Chiara se inclinou e a envolveu em um abraço apaixonado e demorado, como se suas almas estivessem entrelaçando em silêncio. Ana a apertou com força, sentindo a saudade já brotando no coração, mas sabia que esse era o momento de libertá-la.

Quando se afastaram, Ana pegou um papel e uma caneta em sua bolsa, rabiscou seu número de telefone e o entregou a Chiara.

– Quando estiver pronta... me liga.

Chiara pegou o papel, guardando-o com carinho. Um sorriso esperançoso apareceu em seus lábios, mesmo enquanto uma lágrima solitária descia. Com o coração apertado, começou a fazer um carinho suave no rosto de Ana, ajeitando delicadamente os cabelos dela perto da face. O toque era leve, mas cheio de significado. Ela sabia que a saudade já começava a queimar em seu peito.

— Vou sentir tanto a sua falta, de tudo em você... Me perdoa... — Chiara disse, a voz embargada, enquanto tentava conter as lágrimas.

Ana, tocando a cintura de Chiara, puxou-a mais para perto, como se isso pudesse confortá-las.

— Shhh, não faz assim, italiana... Assim eu não vou conseguir... — Ana respondeu, a emoção quase transbordando em seus olhos. — Você é uma fortaleza, Chiara. Você sabe disso. E você merece retomar as rédeas da sua vida. Não se desculpe, tá tudo bem. Eu vou te esperar. E se, nesse tempo, acontecer de você conhecer outra pessoa... eu vou ter que entender.

Chiara sorriu, um sorriso triste e ao mesmo tempo esperançoso. Então, impulsionada por um desejo que não conseguia mais conter, inclinou-se para Ana e a beijou com toda a paixão que sentia. O beijo foi intenso, cheio de amor e de promessas que elas ainda não tinham coragem de verbalizar. Era a despedida que transcendia a dor da separação, um encontro de almas que nunca deixariam de se querer.

Quando finalmente se afastaram, Chiara olhou nos olhos de Ana, a respiração ainda entrecortada.

— Você ainda acha que eu vou querer outra pessoa? — perguntou, a vulnerabilidade transparecendo em sua voz.

Ana sorriu, um brilho nos olhos, sabendo que a resposta estava no fundo do coração de Chiara.

— Eu espero que não. Porque você é tudo o que eu quero.

Eletrizada pelas palavras de Ana, pelo olhar apaixonado e intenso daquela brasileira, e sob o efeito do beijo delicioso que tinham compartilhado, Chiara se inclinou e sussurrou no ouvido de Ana:

— Quando eu te encontrar no Brasil, nós vamos viver tudo o que temos pra viver, e vai ser incrível.


A noiva do meu irmãoWhere stories live. Discover now