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MARIANA

A madeira fria do assoalho rangeu levemente sob meus pés enquanto eu caminhava até a porta do quarto de Augusto.

Eu ja tinha me livrado do vestido de noiva, que estava guardado dentro do armário em meu quarto. O vestido que eu usava agora era simples, sem espartilho ou armações.

Um alívio.

Se Madame Angelique soubesse, certamente desaprovaria, mas que diferença fazia? Aqui, só estávamos eu, Rute, Flora e Augusto. Ele era categórico: ninguém entrava na casa sem sua permissão, nem mesmo os empregados. Ou seja, ninguém me veria "naqueles trajes", como diria Rute.

Quando cheguei à porta, hesitei. Augusto estava dentro daquele quarto há horas, desde que voltamos da igreja, trancado em um silêncio absoluto.

Ele nem sequer tinha esperado que eu descesse da carruagem para sair, entrar na casa e se trancar em seu quarto.

Era como se tivesse decidido, de repente, se trancar em seu próprio mundo, longe de qualquer coisa que pudesse interromper sua solidão.

Estranhei, mas decidi não incomodar. Eu não fazia parte daquele espaço dele, e talvez fosse melhor assim.

Mas aqui estava eu, incomodando.

Respirei fundo, bati de leve na madeira e esperei. 

— Augusto? 

Nenhuma resposta. 

Insisti, batendo novamente, mas o silêncio continuou. Talvez estivesse dormindo, ou talvez, simplesmente, não quisesse ser incomodado.

"Amanhã falo com ele", pensei, já desistindo.

Ia dar meia-volta, pronta para voltar ao meu quarto, mas, antes que eu pudesse dar o segundo passo, a porta se abriu. 

Augusto não usava o paletó de mais cedo, apenas a camisa branca, desabotoada o suficiente para revelar um vislumbre dos pelos escuros em seu peito. Os cabelos estavam bagunçado e os pés descalços.

Ele estava dormindo?

A máscara, sempre presente, estava ali, inclinada para um lado do rosto, como se ele a tivesse ajustado às pressas.

Por um momento, fiquei hipnotizada, incapaz de desviar o olhar. Ele parecia tão diferente sem aquele ar rígido que exalava perfeição e disciplina. Era estranho ver Augusto tão... normal.  

— O que quer? — perguntou ele, claramente surpreso por me ver à porta do quarto.

Engoli em seco, sentindo meu rosto arder.

Droga! Porque eu corava tanto na frente desse homem?

— Eu... — Comecei a gaguejar. — Queria agradecer. Pelo que você fez na igreja, por me defender daquelas bruxas. — Fiz uma careta, lembrando das mulheres.

Achei que vi algo, uma curva mínima no canto dos lábios dele. Um quase sorriso. Mas passou tão rápido que não tive certeza e então franziu a testa levemente.

— Você é minha esposa, Mariana. Que tipo de marido eu seria se deixasse que desrespeitassem você? 

— Nosso casamento foi um acordo... — murmurei, tentando justificar minha surpresa pela atitude dele.

— Acordo ou não, você agora é minha esposa. — Continuou. — E isso significa que ninguém irá te desrespeitar. Se tentarem, terão que lidar comigo. E as consequências não serão agradáveis.

— Obrigada. — Minha voz saiu quase num sussurro, tentando esconder a surpresa pela forma que ele falou.

Há muito tempo, eu não sabia o que era ser protegida, o que era sentir que alguém se importava o suficiente para me defender. E, de alguma forma, saber que ele estava disposto a fazer isso por mim... vindo de Augusto, parecia até mais estranho

Ele assentiu, mas não respondeu, os olhos escuros fixos em mim. Por um instante, o silêncio voltou a pairar entre nós. Depois, criei coragem e perguntei: 

— Você está com fome? Rute deixou algo pronto na cozinha... — As palavras saíram apressadas, minha tentativa desesperada de escapar daquele olhar.

Ele balançou a cabeça devagar. 

— Não estou com fome agora, mas, se precisar, vou até a cozinha. — Ele respondeu, a voz profunda, sem desviar os olhos de mim. — Agradeço por se preocupar.

Assenti, sem dizer nada.

Houve mais silêncio, mas os olhos nunca deixaram os meus. Ao invés disso, eles desceram lentamente pelo meu corpo, analisando cada detalhe do vestido simples que eu usava, talvez estranhando a falta das armações e do espartilho.

Eu sentia quase como se ele pudesse enxergar através do tecido.

— Onde está a crinolina? E o espartilho? 

— Não estou usando. — Respondi firme, mas minha voz vacilou um pouco no final. — Essas coisas me incomodam. Pelo menos em casa, não quero usar. 

Ele ficou em silêncio por alguns segundos, os olhos fixos no meu vestido, analisando cada detalhe com uma intensidade que me deixava desconcertada. Podia sentir a avaliação no olhar dele, mas não parecia haver julgamento, apenas curiosidade.

Finalmente, ele assentiu, um movimento lento e quase imperceptível, como se estivesse processando minha escolha de roupas.

Seus olhos voltaram a encontrar os meus, e aquele silêncio carregado se instalou novamente entre nós.

Eu mordi o lábio, tentando não parecer tão tocada com a intensidade daquele olhar.

Então, dei um passo para trás, ajeitando o vestido simples que parecia não ser suficiente para esconder minha inquietação.

— Bem... eu... — Comecei, a voz saindo hesitante. — Já vou voltar para o meu quarto. Não queria incomodar, só... queria ver se estava tudo bem.

Dei um passo para trás, mas, antes que pudesse me afastar completamente, senti os dedos firmes de Augusto envolverem meu braço.

Presa, levantei o olhar para ele, e a intensidade que encontrei em seus olhos quase me deixou sem ar.

— Não vá. — A voz dele era rouca.

Minha garganta secou. O calor de sua mão parecia queimar através do tecido fino do vestido.

— Fique. — Sua voz era baixa, quase um comando.  — Por favor... — Suavizou.

Ele estava tão perto que podia sentir o seu cheiro, uma mistura de sabonete... e Augusto. Era delicioso.

O calor do toque dele fez minha respiração acelerar. Meus dedos tremiam levemente, e minha respiração vacilava, desobediente, enquanto eu lutava para manter algum resquício de controle.

O que era aquilo que o seu olhar provocava em mim? Que sensações eram aquelas e por que eu sentia isso?

Ele não era gentil nem doce, mas, ao mesmo tempo, havia algo nele que me fazia querer me aproximar. Por que?

— Augusto, eu... — murmurei, sem saber ao certo o que dizer.

— O que você realmente quer, Mariana? — Ele inclinou a cabeça, me encarando. — O que veio fazer aqui em meu quarto?

Minha garganta secou, e eu não consegui responder. Era óbvio o que eu queria.

Era ele.

Mesmo que eu não quisesse admitir para mim mesma, meu corpo já havia decidido. 

Acordo com a Fera [Paixões Rurais - Vol.2]Onde histórias criam vida. Descubra agora