MARIANA
Augusto não afrouxava o aperto na minha mão enquanto caminhávamos para fora da igreja, seus passos firmes e rápidos ecoando no piso de pedra.
Já estávamos na parte de fora da igreja quando uma voz nos deteve.
— Augusto, meu amigo, por favor, acalme-se. — Era o doutor Coutinho, um dos poucos que se atreviam a chamar Augusto pelo nome, com tamanha intimidade.
Ao lado do médico, estava a sua esposa, Letícia, uma mulher que aparentava pouco mais de trinta anos, de olhar doce e postura delicada.
— Está assustando sua esposa.
Augusto parou, rígido como uma estátua e virou o rosto lentamente para mim, como se só agora percebesse que ainda estava segurando minha mão.
Seu olhar encontrou o meu. Então ele olhou para nossas mãos entrelaçadas. Seus dedos estavam tensos ao redor dos meus, firmes demais, e antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele me soltou.
Rute estava saindo da igreja e vinha em nossa direção, com Flora ao seu lado. A expressão da mulher estava carregada de indignação.
— Essas mulheres... — começou ela, com raiva. — São as únicas responsáveis por todo esse tumulto. Não têm um pingo de educação ou decência! Parece que nasceram para espalhar discórdia.
A cada palavra de Rute, Augusto parecia endurecer ainda mais. Seus olhos, que haviam se suavizado por um momento, voltaram a carregar aquela fúria silenciosa.
— Estou farto disso tudo. — Ele passou a mão pelos cabelos, visivelmente cansado. — A única coisa que quero agora é voltar para casa.
Ele se virou para um menino magro, com roupas simples, que aguardava próximo à entrada. Era Quinzinho, o garoto que trabalhava na fazenda.
— Vá buscar a carruagem. — Augusto ordenou, a voz firme.
— Sim, patrão. — Quinzinho assentiu com um aceno rápido e saiu correndo, as sandálias desgastadas fazendo barulho contra o chão de pedra.
Enquanto isso, Augusto ficou parado ao meu lado, a mandíbula tão tensa que parecia prestes a estalar. Eu não sabia o que dizer.
Olhei para ele, e a raiva ainda brilhava em seus olhos. Eu queria perguntar se ele estava bem, mas as palavras não saíam.
Coutinho tentou apaziguar a situação.
— Augusto, isso tudo não merece sua atenção. Sabe como são essas mulheres, sempre buscando algo para falar.
— Mariana é minha esposa, Coutinho. — Sua voz agora era firme como aço. — E quem ousar desrespeitá-la vai lidar comigo. Não importa quem seja.
Ele sequer piscou. Seus olhos permaneciam fixos no horizonte, enquanto suas mãos se fechavam em punhos tão fortes que os nós dos dedos estavam esbranquiçados. O peito dele subia e descia em um ritmo pesado, como o de um touro prestes a avançar.
Rute, no entanto, não deixou o assunto morrer.
— Não foi só fofoca, doutor. — Ela olhou para mim, e senti um calor estranho no peito ao perceber que ela estava me defendendo. — Elas insultaram a senhora Valente. Fizeram questão de mencionar a cor de sua pele. Uma total falta de respeito!
Eu senti o rosto esquentar, mas dessa vez não era vergonha. Era algo entre raiva e humilhação.
Ao ouvir aquilo, Augusto respirou fundo, mas o som mais parecia um rosnado abafado. Seus ombros estavam tão tensos que parecia que o tecido de sua camisa iria rasgar.
— Augusto... — sussurrei, movida por uma urgência que nem eu mesma entendia.
Sem pensar, deslizei as mãos pelas costas dele, em um gesto tímido, quase hesitante. Senti os músculos rígidos sob meus dedos, como se ele estivesse pronto para explodir.
Quando nossos olhos se encontraram, por um breve instante, algo mudou. A fúria que fervilhava nele pareceu se dissipar, mesmo que só um pouco.
— Não me interessa o que elas pensam. — Ele falou devagar, ainda olhando para longe. — Mas garanto que não vão repetir isso. Não com a minha família.
Seus olhos passaram rapidamente por mim antes de voltar ao horizonte. Ele parecia tentar se acalmar.
Família. A palavra reverberou em minha mente, pesada, inesperada. Meu coração deu um salto involuntário, e, por um momento, me vi tão confusa quanto tocada.
A carruagem finalmente chegou, com Quinzinho arfando de tanto correr.
— Acho que está na hora de irmos — disse doutor Coutinho. — Rute e Flora passarão o resto da tarde conosco. A menina, inclusive, está ansiosa pelos biscoitinhos de nata que Letícia preparou.
Augusto virou o rosto para o médico, estreitando os olhos em um claro gesto de repreensão. A intenção de Coutinho era evidente: dar privacidade a nós dois.
Flora, no entanto, respondeu com a espontaneidade de uma criança:
— Não estou, não.
Rute, constrangida, lançou um olhar quase desesperado para a menina, mas acabou sorrindo sem jeito.
— Flora falou disso quase todos os dias, senhor Valente. — justificou-se. — Está mesmo ansiosa pelos biscoitinhos de nata.
Letícia, sempre gentil, abaixou-se para ficar na altura de Flora, passando a mão com carinho nos cabelos da menina.
— Será um prazer recebê-las em minha casa. — disse com um sorriso tão doce quanto suas promessas de biscoitos. — Vamos comer biscoitos de nata, Flora?
— Sim! Quero biscoito! — Flora exclamou, o que fez Letícia rir baixinho.
Augusto observava tudo em silêncio, seus olhos indo de Coutinho para Letícia e depois de volta ao médico.
Não era preciso dizer nada: seu olhar carregava uma mistura de irritação e Coutinho, por sua vez, apenas sorriu de volta, mantendo uma expressão quase desafiadora.
— Vamos, Mariana. — Augusto disse, sua voz carregada de cansaço. — A carruagem nos espera.
Subi ao veículo sem dizer nada, as palavras presas na garganta. Quando Augusto subiu e se acomodou ao meu lado, o silêncio entre nós parecia ainda mais denso do que antes.
Enquanto a carruagem começava a se mover, eu o observei de soslaio. Ele estava sentado rigidamente, os olhos fixos na paisagem que passava pela janela.
Eu queria entender o que se passava na cabeça dele, mas, ao mesmo tempo, comecei a me perguntar sobre o que estava acontecendo comigo.
O que eu sabia era que algo tinha mudado. Não só na maneira como Augusto olhava para mim, mas também na maneira como eu começava a olhar para ele.
Instintivamente, olhei para minha própria mão, ainda sentindo o resquício do calor do aperto firme de Augusto. Meu coração acelerou com a memória, e uma pergunta indesejada ecoou na minha mente: Por que eu não quis que ele me soltasse?
VOCÊ ESTÁ LENDO
Acordo com a Fera [Paixões Rurais - Vol.2]
RomanceTrilogia Paixões Rurais | #2 Mariana estava acostumada a perdas. Mas no dia de seu aniversário, ao fazer um simples pedido, sua vida vira de cabeça para baixo. Sem entender como, ela acorda em uma fazenda no ano de 1859, diante de um homem misterios...