Capítulo 20: O Peso da culpa

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"Das minhas lágrimas escorreu sangue, dos meus gritos ecoou a dor que rasgava a alma. Uma lâmina transpassou meu coração; logo estaria na cruz o meu senhor"

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Na escuridão espessa da noite, Maria Madalena permanecia caída sobre o solo áspero e gelado. As pedras frias pressionavam sua pele, e o cheiro de terra úmida misturava-se ao leve aroma salgado do suor que escorria por seu rosto. Seu corpo tremia, não apenas pelo frio que subia do chão, mas pelo peso esmagador do momento. A voz de João, Pedro e Tiago soava como um eco distante, distorcida pela dor e pela angústia, enquanto discutiam com os soldados romanos. Cada palavra entrecortada a atingia como flechas afiadas, perfurando-lhe o peito e despertando uma sensação de impotência.

João, o mais jovem e fiel, ergueu-se à frente dos soldados, seus olhos fixos no rosto impassível de um deles. Sob o luar pálido, ele gritou, sua voz vibrando de um desespero contido.

— Queremos ir com ele! Não o abandonarei.

A resposta do soldado veio gelada, indiferente à dor que emanava ao seu redor, como se o sofrimento alheio fosse invisível para ele.

— Só o acusado será levado. Ele, apenas ele.

Ao lado de João e Pedro, Tiago lutava para conter a própria dor, sua voz carregada de desespero ao questionar o soldado, como se a informação fosse uma última esperança a que se agarrava.

— Pode nos dizer, ao menos, para onde o levarão?

O romano, de semblante rígido e postura imponente, respondeu com uma impassividade fria, seu tom de voz implacável, como se falasse sobre um objeto sem valor.

— Ao Sinédrio. Lá será julgado. Dependendo da decisão do Conselho, poderá ser liberto… ou condenado.

Ao fundo, Jesus permanecia em absoluto silêncio, os olhos baixos, aceitando o destino que lhe era imposto. Seu semblante tinha uma tranquilidade dolorosa, resignada, enquanto os soldados apertavam suas amarras, quase com desdém. Era uma visão de sacrifício, de resignação, como a de um cordeiro sendo conduzido ao matadouro. E então, Jesus foi levado, arrastado para longe pelos guardas romanos. Os discípulos, agora sem seu Mestre, foram tomados pelo desamparo, agarrando-se uns aos outros em um silêncio opressivo, as lágrimas se misturando aos sussurros do vento, que parecia murmurar uma prece incompreensível.

Por um instante, Madalena permaneceu imóvel, o corpo e o espírito pesados demais para que ela tentasse se levantar. Queria correr, gritar, segui-lo, mas sentia-se presa, como se raízes invisíveis mantivessem seus pés ancorados ao solo. Algo apertava sua garganta, impedindo que qualquer som escapasse, e sua mente a arrastou, quase contra sua vontade, para uma lembrança antiga, o momento em que ele a salvara. O cheiro de suor, poeira e pedras queimada pelo sol voltaram a seu olfato, e ela podia quase sentir as marcas do desespero que uma vez consumira sua alma.

Uma voz gutural, rouca e raivosa, ecoava em sua memória, uma lembrança horrível de um dos demônios que um dia habitara seu corpo. Gritava com ela, com uma fúria que ressoava em cada palavra.

— Afasta-te dele! Não se atreva a se aproximar! Nós te mataremos se fizer isso, maldita!

Logo após, ouviu a voz de Sthar, a primeira entidade que a possuíra, berrando dentro dela com um desprezo envenenado, tentando enfiar suas garras na alma de Madalena.

— Nos trouxe até aqui para quê? Ele não vai te libertar. Você é uma alma condenada!

E então, Nanmu, uma das mais cruéis, sussurrou perto de seu ouvido, sua voz como um veneno escorrendo, fria e meticulosa.

Maria Madalena:A voz do silêncio Onde histórias criam vida. Descubra agora