Soen teve aquele pesadelo com a Rainha Peste outra vez.
Nele, Soen vagava no breu da noite à procura de Gin, seus passos rítmicos eventualmente o levando até o mesmo beco silencioso onde seu primeiro e único encontro com a bruxa ocorreu. Tudo foi rápido e confuso — como os sonhos geralmente são. Em um momento, ele estava caminhando no quase completo escuro rumo ao que parecia ser uma saída. No outro, seu corpo inerte desabava no chão, sufocava na podridão repulsiva do miasma da morte. Incapaz de falar ou se mover na medida em que uma silhueta distorcida ganhava forma pouco adiante.
A noite quente se condensava ao seu redor, fazendo seu cabelo úmido grudar nas têmporas enquanto a bruxa se aproximava em um ritmo alarmante. No intervalo de um sopro, a coisa já havia reduzido completamente a distância entre os dois. Ela se abaixou cuidadosamente diante dele, um vulto animalesco que o observava através de uma cacofonia de sombras agonizantes, uma cortina de cabelo negro caindo sobre o rosto como um longo véu inescrutável.
Soen não viu o momento em que a mão dela, negra e pegajosa como piche, agarrou seu pulso em um aperto frio; quando ele percebeu, já era tarde: os dedos longos e esquálidos fechavam-se sobre seu punho direito, aquele que fora marcado pelo sinal negro de Labe Mortem, enquanto o negrume pútrido vazava para a sua pele como tinta, a mancha crescendo de dentro para fora e consumindo seus ossos e carne.
— Eu sou a mão que guia a morte — guinchava repetidamente a bruxa, próxima o suficiente para que Soen sentisse seu hálito fétido e ouvisse seus dentes rangendo. — E onde eu estiver, ela também estará.
Mas não era só isso. Nos sonhos mais recentes, um par de olhos amarelos espreitava silenciosamente através da cortina de sombras que acompanhavam-na.
Soen não sabia ao certo se a presença de Gin era uma novidade ou se ele apenas não a notara nos pesadelos anteriores. Entre as sombras, a gata preta observava com os olhos arregalados e as pupilas contraídas de uma maneira selvagem, diferente do semblante curioso ou desinteressado típico dos gatos domésticos. No começo, Soen pensava se tratar de um olhar amedrontado, mas logo percebeu que, na verdade, Gin era uma caçadora à espreita, aguardando o momento certo para agarrar sua presa com dentes afiados.
Era impossível dizer se a presa em questão seria ele ou a Rainha Peste. Nunca teve a oportunidade de descobrir, uma vez que sempre acordava antes do fim do sonho, quando a gata começava a se aproximar com passos lentos e cuidadosos, até que sua presença fosse notada pela bruxa e tudo se dissolvesse quando seus olhos, estes tão escuros quanto a pelagem brilhante da pequena gata, se abriam sob o teto cavernoso de sua cela subterrânea nos calabouços de Etheia.
Soen esperava chegar ao final do sonho antes de finalmente ser mandado para a forca. Ele o tinha repetidas vezes nos últimos meses, e se tornava mais frequente conforme o tempo passava e a mancha negra em seu braço aumentava de tamanho. Ao que tudo indicava, Othail estava certo quando apostou que manter seu filho preso seria o bastante para que a pequena mancha negra em seu pulso se tornasse um visível sinal de magia negra.
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Labe Mortem
FantasyUma maldição nunca falha, a menos que algo ainda mais sombrio interfira. É o que acontece com Soen Blackthorn, o herdeiro do trono de Etheia, um reino assolado por uma praga letal. Alguém quer impedi-lo de se tornar rei e lança uma maldição sobre el...