Já estamos no quadragésimo segundo dia de viagem, o balanço do mar já não me incomoda tanto quanto antes, ainda assim, não posso esperar para chegar à costa. Sorte a minha, terra foi avistada pela primeira vez em semanas. Ao saber da notícia, subi correndo até o convés para ver com meus próprios olhos e fui abraçado pela brisa congelante do oceano. Era um alívio saber que em breve desembarcaria, mas também era desesperador saber que estava tão longe de casa, no oriente da Ásia. E ainda assim, embora meus sentimentos fossem conflitantes e confusos, nenhum deles podia ser comparado ao entusiasmo que senti ao descobrir sobre essa mulher. Os boatos diziam que ela era capaz de afastar espíritos malignos, que possuía um tipo de condição especial, algo que sempre acreditei ter eu mesmo. Meu coração se enchia de esperança ao pensar que poderia existir alguém como eu, se for verdade, qualquer viagem terá valido a pena. Talvez eu não estivesse só.
Assim que o navio atracou, me apressei para descer com meus pertences e por os pés nesse novo continente, o que será que eu descobriria por aqui? De certa forma, já imaginava, passei a maior parte, se não todo meu tempo livre lendo sobre a China, as culturas e costumes da população, história, e principalmente tudo que já foi escrito sobre a tal santa.
A cidade portuária estava viva com o burburinho dos habitantes e o som das ondas quebrando nos cais. Me deparei então com murais e estátuas retratando aquela mulher, a santa que eu ansiava conhecer, que decoravam a cidade e deixavam claro sua influência.
Era bizarro pensar nisso, uma pessoa que eu já tinha julgado ter algo em comum comigo ser venerada, ter sua própria estátua como a que estava em minha frente. Os detalhes me fizeram quase acreditar estar diante de um cadáver imortalizado. Seu rosto tinha uma expressão calma, sua mão se estendia acima de todos os observadores, como se protegesse todos ao redor. Não pude deixar de notar que era jovem, tinha uma idade próxima da minha, o que me confundiria se eu já não soubesse quantos anos tinha. Ela sempre era descrita como uma pessoa sábia, uma alma antiga, completamente discrepante dessa imagem.
Tentei conversar com os habitantes locais usando meu conhecimento limitado de sua língua, que acabou sendo meu maior obstáculo. Não esperava ficar fluente em mandarim em poucos meses usando um livro para iniciantes, mas superestimei muito minhas habilidades que se mostraram inúteis. Aparentemente conhecer toda a gramática não me impede de ter uma pronúncia horrenda e ininteligível.
Tive que recorrer a meios mais arcaicos de comunicação, tentei usar gestos, apontando para as estátuas e murais tentando ser compreendido. Algo que nunca fui muito bom, era me localizar e seguir instruções de mapas, precisava de ajuda para descobrir que caminho seguir para chegar até ela. Depois de algumas tentativas, um homem conseguiu me entender e indicou uma rua que levava a uma escadaria, segundo ele, o templo ficava lá em cima.
A escadaria era longa e o fluxo de pessoas passando só aumentava à medida que subia. Haviam pessoas descendo, comerciantes oferecendo de tudo, amuletos, tecidos coloridos, comidas com aromas tentadores e outras pareciam se direcionar ao templo como eu.
Não estava acostumado a subir tantos degraus de uma vez e a mochila pesada não era nenhuma ajuda. Não deveria ter trazido tantos livros, mas me cortou o coração pensar em deixá-los no navio. Mas acho que a pior parte foi perceber o quão fora de forma a viagem me deixou, o convés não era grande o suficiente para nada e ainda que fosse, continue sentindo a fadiga pesar meu corpo enquanto resmungava sobre a altura do templo.
A escadaria finalmente acabou e assim que levantei a cabeça fiquei deslumbrado, a praça que havia no templo era magnífica, árvores floridas bem cuidadas, bandeirolas coloridas, sinos de vento que deixavam uma melodia harmônica ao local. Alguns altares que estavam tendo suas velas trocadas mas o principal estava no centro, descendo alguns degraus da entrada do templo lá estava ela.
Uma grande manto preto com azul escuro acompanhado de um véu roxo, sua aparência era simples não existia nenhum luxo, se não fosse pelas estátuas eu passaria normalmente.
Fui contido antes mesmo de me aproximar dela. Dois homens robustos me barraram sem hesitar.
— Eu só quero falar com ela! — protestei, apontando para a mulher.
Um deles cruzou os braços e logo em seguida apontou para trás de mim.
Olhei para trás e vi a longa fila serpenteando pela praça, com toda certeza se eu tentasse passar eles me dariam uma surra. Não havia alternativa, então me juntei aos outros e comecei a esperar.
O tempo se arrastava. O sol descia no horizonte, tingindo o céu com tons alaranjados. Algumas mulheres passavam entre os que aguardavam, oferecendo água e aliviando o desconforto da espera, em um certo momento ela saiu me desesperei mas logo ela voltou foi apenas uma pequena pausa.
Eu observava cada movimento dela. Seu jeito de falar, de tocar as pessoas... e então, algo me chamou atenção. Uma mãe trouxe uma criança pequena até ela. A mulher disse algumas palavras, e a criança, confiando nela, deitou a cabeça em seu colo. Ela acariciou os cabelos do pequeno e, quando retirou a mão, algo cintilante parecia brilhar entre seus dedos. Um pequeno espírito etéreo dançava no ar por um breve momento antes de desaparecer. O sorriso da criança iluminou a cena.
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Rastro dos Antigos Terror imensurável
ParanormalA pequena Liu Mei Huang, uma estudante comum do ensino fundamental, vê sua vida transformada em caos ao começar a enxergar monstros que só ela pode ver. Com suas visões perturbadoras, Liu Mei busca respostas desesperadamente, tentando entender por q...