Acordei cedo no sábado e encontrei com minha mãe na cozinha, fazendo café. Parte de mim tinha esperança de que eu conseguisse sair sem cruzar com ela, mas pelo visto alguém lá em cima não ia muito com a minha cara – nenhuma surpresa, dado os últimos acontecimentos.
- Bom dia, filha. – ela me cumprimentou, sorrindo serenamente quando entrei.
- Bom dia. – retribuí, embora não tão serenamente.
- Dormiu bem?
- Sim.
- Achei que tinha escutado você no telefone ontem à noite.
- Impressão sua.
- Certo.
Fez-se silêncio e eu peguei as coisas pra tomar café. Queria virar as costas e voltar pro quarto, mas ela iria estranhar e eu estava fazendo de tudo pra não chamar atenção. Porque se ela percebesse, então eu teria que contar, e se eu contasse, então seria o fim. O. Fim.
- Marquei o médico pra você. – ela disse, de repente, e me assustei tanto que quase derrubei a caixa de leite.
- Que médico? – perguntei, tentando não soar como se estivesse à beira de um ataque de nervos. O que certamente eu estava.
- O gastro, ué. – ela franziu o cenho – Eu falei que ia marcar quando você voltou de viagem, lembra?
- Ah, verdade. Certo. – me acalmei e coloquei as coisas sobre a mesa, tentando parar de tremer – Marcou pra quando?
- Terça-feira. – disse – Eu vou sair mais cedo do trabalho, te pego na escola e vamos direto.
- Ok.
Terça-feira. Médico. Com a minha mãe. Quais eram as chances que um gastro conseguisse adivinhar que eu estava grávida? Nenhuma, imaginei. Estava só de umas três semanas. Era impossível, certo?
Eu esperava que sim.
- Vou sair daqui a pouco, tá? – avisei, então, com aquele tom de quem não quer nada.
- Vai onde? – mamãe quis saber, com aquele tom de "quem foi que te deu permissão".
- Vou lá na Lana. A gente tem um trabalho pra segunda-feira. – menti.
- Quer que eu te leve? – perguntou, e soube na hora que ela não estava convencida. Mamãe nunca oferecia pra me levar pra qualquer lugar que fosse.
- Não, eu vou de ônibus.
- Ok. – hesitou um minuto – Mas me avisa quando chegar lá.
- Pode deixar.
Mais tarde, peguei um ônibus não até a casa da Lana, como tinha dito pra minha mãe, mas para um laboratório médico ali perto onde ela iria me encontrar. Lana tinha topado me ajudar, mas não sem antes ter uma confirmação clínica de que havia um problema. Segundo ela, testes de farmácia não eram confiáveis, então era bom me precaver.
No caminho, não pude evitar pensar no que a minha vida tinha se tornado. Era tudo tão simples, e agora parecia plot de novela das seis. Mais que isso, me peguei imaginando o que aconteceria se a minha mãe descobrisse.
Era difícil medir qual seria a reação dela. Via de regra, mamãe era rígida, embora não controladora. Ela tinha tido experiências de vida muito diferentes das minhas, e por isso, tinha uma ideia levemente irreal sobre o que minha vida deveria ser.
Quero dizer, enquanto eu era filha de pais separados, minha mãe veio de uma casa onde o amor reinava, e meus avós estavam juntos até hoje. Ela teve irmãos, eu não. Ela só teve um namorado (e marido) e eu já tinha tido, sei lá, quatro? Ela acreditava numa vida de escolhas práticas e morais, e eu acreditava em me guiar pelo coração. Éramos pessoas totalmente diferentes.
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O Diário (nada) Secreto - vol. 3
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