Capítulo 24 - Entendimentos

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 Acordei lentamente, como se estivesse em um poço muito fundo, e a minha consciência, lá debaixo, não tivesse força o suficiente pra se erguer. Eu sabia que estava acordada, mas não conseguia mexer meus músculos. Sentia meu corpo, mas não conseguia me dar nenhum comando. Era uma das piores sensações do mundo.

Quando enfim abri meus olhos, tudo estava embaçado e sem sentido. Vi luzes estranhas e formas indistintas, e não reconhecia os meus arredores. O resto dos meus membros foi aos poucos voltando, mas quando tentei me mexer, senti meus braços e minhas pernas atados. Tentei com mais afinco, mas não tinha força suficiente.

- Ahhhh – gemi, tentando falar, mas meus lábios não me obedeciam. Comecei a chorar de desespero, tentando criar algum sentido entre estar presa, tonta e sem enxergar muito além das luzes, quando um rosto aparecer na minha frente.

- Shhh. Está tudo bem. – uma voz disse, distante e próxima ao mesmo tempo. Era da moça na minha frente, uma morena de traços marcantes e maçãs do rosto altas, vestida com roupas claras de enfermeira – Você está na sala de cirurgia. Está tudo bem.

Sala de cirurgia? Isso significava que eu ia sentir enquanto eles me cortavam?

- Meu... braço... – balbuciei, tentando me mexer de novo. Ela sorriu mais uma vez.

- Você teve uma reação à anestesia e nós tivemos que te prender. Vou te soltar, mas você não pode se mexer muito ainda, ok?

Tentei assentir, mas não sei exatamente o que consegui. Mesmo assim, senti a enfermeira liberando meus pulsos e depois meus tornozelos.

- Você acordou muito cedo. Sua cirurgia acabou agora há pouco. – ela explicou, enquanto me desatava – Nós já vamos te levar pra sala de recuperação, ok? Mais algumas horas e você pode voltar pro seu quarto. Ouvi dizer que tem uma festinha te esperando lá. É seu aniversário, né? Parabéns.

Ela continuou tagarelando enquanto eu me acalmava, e ainda depois, quando me levou pra tal sala de repouso. Muito mais calma, consegui voltar a dormir.

Parecia que eu estava dormindo há poucos minutos quando abri os olhos de novo e me vi em um lugar totalmente diferente. A TV logo em frente estava ligada, mas no mudo, e ouvi vozes sussurrando em conversa, mas demorei até localizar de onde vinham. No sofá ao lado da cama, minha mãe e minha tia conversavam, tentando ao máximo não fazer barulho.

"Mãe", eu queria chamar, mas o que realmente consegui foi produzir uma tosse seca que serviu tanto pra me deixar com ainda mais sede, quanto pra chamar a atenção das duas. Mamãe se pôs de pé e veio até mim assim que me viu de olhos abertos, e minha tia veio logo em seguida.

- Oi, querida. – ela disse – Como você está?

Tentei articular palavras, mas a secura da minha boca me impedia de fazer muito. Consegui fazer um pedido baixo e rouco por água, e minha tia se adiantou para atende-lo, voltando logo em seguida com um copo de água e um canudinho pra me ajudar.

Tomei tudo em poucos goles, me sentindo instantaneamente melhor, e me ajeitei na cama. Meu corpo ainda estava um pouco mole e dolorido, mas não era isso que me incomodava; eu sentia como se estivesse com um espaço oco dentro de mim, como se durante a cirurgia, o médico tivesse tirado todos os meus órgãos e recolocado na posição errada.

- Feliz aniversário. – mamãe se inclinou e beijou minha testa – Que susto você deu na gente, Lolita! Tanto dia pra isso acontecer...

- Desculpa. – falei, sem saber exatamente pelo que estava me desculpando.

- Tem um monte de gente aí te esperando. – mamãe continuou, sentando na beirada da cama – Sua tia e suas primas estão comendo alguma coisa no restaurante da esquina. A Marina ligou umas mil vezes, mas como ela estava na escola, não pôde vir pra cá. E eu praticamente tive que expulsar seu namorado daqui de dentro quando você chegou do centro cirúrgico.

O Diário (nada) Secreto - vol. 3Onde histórias criam vida. Descubra agora