- Bacana esse tempo, hein?
Minha pergunta, completamente retórica e dirigida mais às paredes do que às pessoas a minha volta, foi dita com todo aquele tom de ironia que ela merecia. Ironia e, admito, uma pontinha de raiva. Afinal, a Sabrina tinha me atormentado nos últimos dias até me contagiar com o seu maldito entusiasmo pela viagem, e lá estávamos nós, confinados no apartamento, ouvindo um temporal bater contra as janelas.
Tínhamos saído de São Paulo no fim da tarde anterior – um dia surpreendentemente quente para Julho, que só serviu pra botar mais pilha na minha animação – e chegamos no litoral com tempo suficiente apenas para descarregar as malas e jantar antes de dormir. O apartamento dos meus tios era pequeno, mas dava pro gasto: tinha dois quartos, um elevador no prédio, estávamos há apenas dois quarteirões da praia mais próxima e tinha uma pizzaria virando a esquina. Eu não poderia imaginar nada melhor.
Exceto, talvez, um clima melhor.
- Não dá pra ir pra praia, mas tenho certeza de que tem alguma coisa que vocês duas possam fazer. – minha tia opinou. Eu revirei os olhos, me sentindo uma velha ranzinza.
- Só se for canoagem na rua.
Meu tio gargalhou alto.
- Sabrina, por que você não vai com a sua prima ver se algum dos seus amigos tá por aí? – minha tia sugeriu, então. A Sabrina levantou os olhos do celular pela primeira vez em, sei lá, horas.
- Que amigos, mãe?
- Seus amigos aqui do prédio, ué. Você costumava ter vários amigos quando a gente vinha pra cá.
- É, quando eu tinha doze anos. – foi a vez da Sabrina revirar os olhos. Minha tia fez um muxoxo.
- Você com certeza se divertia bem mais com muito menos naquela época. – foi tudo o que ela disse.
Silêncio. A chuva fazia um barulho tão estrondoso que era impossível escutar a televisão.
Do nada, me levantei, como se tivesse resolvido que ia fazer alguma coisa. Não que tivesse alguma coisa pra fazer; eu tinha trazido livros na mala, mas estava naquele estado de energia contida que não me permitia aceitar a ideia de sentar e ler um livro. Eu queria, sei lá... me mexer.
- O que foi, querida? – minha tia me perguntou, depois do meu primeiro minuto em pé, sem decidir entre sair pela porta, andar pelo apartamento, ou sossegar o facho e sentar de novo.
- Não sei. Eu só... Quero fazer alguma coisa!
Lancei um olhar implorador pra minha prima, que demorou até perceber que eu estava tentando chamar a atenção dela. Quando notou, me encarou por um instante antes de suspirar, vencida.
- Tá legal, vamos descer pro salão de jogos e ver se tem alguém por lá.
Quase pulei de alegria, só pela ideia de fazer alguma coisa. Ela se levantou, calçou os chinelos, e eu saí atrás dela.
Pegamos o elevador por pura preguiça, uma vez que estávamos no terceiro andar e o salão de jogos ficava só dois andares abaixo. Minha prima não parecia muito animada.
- Aposto que só vai ter um monte de pirralho por lá. – comentou, assim que as portas do elevador se abriram.
O salão de jogos ficava do outro lado do hall, e era nada mais que um salão de festas com algumas coisas atulhadas dentro. Ouvi barulho, mas não sabia ao certo se era a chuva ou gente. Minha resposta veio assim que entramos.
Era gente. E, surpreendentemente, gente da nossa idade.
Bom, quase todo mundo. Tinha um garoto de uns 11 anos jogando ping-pong com um rapaz que devia ter mais ou menos a nossa idade. No pebolim, três garotas enfrentavam um rapaz que jogava sozinho. E tinha ainda uma menina de uns treze anos sentada num canto, apertando compulsivamente os botões do seu GameBoy.
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O Diário (nada) Secreto - vol. 3
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