São Luis, 01 de fevereiro de 2008
- Você vai me pagar pelo resto da sua vida por eu ter aceitado vim pra cá. - Isabel reclamava.
- Para de reclamar e se diverte. É carnaval, Bel! - Catarina disse.
Era sexta-feira gorda, a sexta-feira momesca e as duas estavam num dos melhores e mais badalados bailes de carnaval da cidade. Catarina havia ganhado os convites com um amigo produtor, mas todos os seus amigos, que aceitariam na hora o convite para lhe fazer companhia, haviam viajado para as cidades do interior do estado, onde o carnaval realmente acontecia. Catarina passou uma semana tentando convencer Isabel para aceitar o convite e não deixá-la ir sozinha, fez diversas chantagens emocionais, mas indiretamente comprou a amiga com um par de sandálias que ela tanto queria.
Ambas tinham dezoito anos e estavam juntas desde o maternal. Não se desgrudavam hora alguma durante as intermináveis férias do fim da escola e do início da faculdade. Eram completamente diferentes uma da outra. Catarina sempre fora a garota mais popular da escola, falava e era amada pela maioria das pessoas que conhecia e sempre tivera essa facilidade em criar amizades rapidamente, apesar de reconhecer que não passavam de amizades repentinas, ela nunca quis denominá-las como falsas, e que contava no dedo as pessoas que estariam ao lado dela quando ela precisasse. A Isabel seria a primeira. Isabel não ligava para a popularidade da amiga, não ligava principalmente para isso de conhecer diversas pessoas apenas por conhecer. Era mais concentrada em passar na faculdade, do que preencher as cem fotos disponíveis para postagem no Orkut. Nem de fotos ela gostava. Isabel era séria, comprometida e era o porto seguro da amiga popular. Era com ela que Catarina buscava conforto nas horas difíceis.
- Relaxa ai, vamos procurar alguma coisa pra beber. - Catarina arrastou a amiga para o bar.
- Não! - Isabel gritou. - Você não vai beber! - Tentou puxa-la de perto do bar.
- Por que não? - Retirou duas caipiroscas e entregou uma para a amiga. - Vira logo isso e para de frescura.
- Você é a pessoa mais safada do mundo quando está bêbada!
- E você a mais chata quando está sóbria!
Algumas músicas depois as duas dançavam e gargalhavam. Isabel lembrou-se a noite inteira da mãe que a levara a diversos bailes de carnaval quando ainda era criança. Aquele seria um motivo para entristecê-la, mas sabia que a mãe ia gostar de vê-la se divertir num baile de carnaval cantando todas as músicas que ela tinha lhe ensinado. Quando se deu conta Catarina já beijava o terceiro garoto diferente da noite. Pouco se importava com o que a amiga fazia. Ambas sabiam que aquilo não era o certo, mas era a forma que a amiga se divertia e não atrapalhava, apenas dava algumas broncas no dia seguinte quando a amiga estivesse sóbria. Isabel tinha aversão a garotos fúteis que só sabiam falar de festas, bebidas e marcas de roupa e de quanto seus pais ganhavam por mês. Ás vezes ficava com um ou outro garoto, mas não em ambientes como aquele, nem tão rápido quanto a amiga. A maioria dos garotos, se não todos, que já tinha beijado era seu amigo antes de ficarem e continuaram após perceberem que tinham focos diferentes.
A festa já se esvaziara um pouco quando um garoto moreno, alto, de braços torneados por músculos recém crescidos e cabelos negros e compridos se aproximou delas.
- Qual o seu nome? - Ele perguntou à Isabel.
- Isabel. - Ela deu de ombros.
- Pedro, prazer. - Ele se aproximou dela para um suposto contato físico.
- Não tem prazer nenhum. A garota que fica com vários não sou eu! - Ela tentou empurrá-lo para manter uma distância dele.
- Após a quantidade de garotos que ela já beijou é bem capaz de eu conseguir apenas uma doença com ela. - Ele se referia a Catarina e falava perto de seu ouvido, fazendo com que a sua respiração arrupiasse os pelos do pescoço da garota.
Isabel consequentemente riu com o comentário sincero do rapaz.
- Certo, mas eu não quero as suas doenças não. - Sorriu sarcasticamente e continuou. - Agora já pode voltar lá nos seus amigos e encher o peito pra dizer que pegou nós duas! - Revirou os olhos e empurrou o garoto que aproveitou o impulso e voltou para onde estava.
Catarina observava atenta àquela cena.
- Você acabou de dar o fora no maior gato! Deixa de ser otária, Isabel!
Isabel ignorou os comentários da amiga e disse:
- Acho que está na hora de irmos embora, não achas?***
- Não vale mais chorar por ele... - Catarina cantarolava a música que tanto tinha tocado na noite anterior.
- Você vai me deixar surda desse jeito! - Isabel jogou um travesseiro na amiga que dormia num colchão no chão ao lado da sua cama.
- Eu quero aquele garoto que você deu o fora ontem! - Catarina ignorou o comentário e a agressão da amiga.
- Pedro. - Isabel soltou.
- Você sabe o nome dele? - Catarina sentou-se no colchão surpreendida.
- Ele quis dar uma de diferente e veio perguntar meu nome. - Isabel deu de ombros.
- E o sobrenome dele? Precisamos ver o Orkut dele, Bel! - Catarina se empolgou.
- Eu sei lá. Era apenas mais um babaca entre tantos.
- Af Bel, às vezes desconfio da tua heterossexualidade. - Revirou os olhos.
- Eu só não tenho fogo na perseguida! - Isabel riu maliciosamente e contou até três para:
- VAI SE FODER! - Catarina entrou no banheiro do quarto da amiga.***
Um mês depois as aulas da faculdade haviam começado. Ambas ingressaram para a universidade federal do estado, mas em cursos diferentes. Isabel tinha decidido seguir o caminho da mãe após seu falecimento. Tinha escolhido a psicologia para continuar as ações realizadas por ela, mas sonhava em construir uma clínica para crianças das periferias de São Luis que necessitassem de acompanhamento psicológico por fatores psiquiátricos ou apenas por pequenos distúrbios. Catarina já era diferente, passou no último PSG* realizado pela universidade com uma boa colocação em Direito. Tinha paixão pelas leis, pela retórica e possuía boas argumentações. Via no Curso a possibilidade de aprimorar e transformar a paixão em amor eterno.
Catarina procurava euforicamente sua sala no gigantesco prédio do CCSO** junto a outros calouros. Ao entrar na sala sentou-se na segunda fileira após as janelas, na terceira cadeira da fileira. Às 7h10 o professor de Introdução ao Estudo do Direito adentrou e seguido dele vinha um rapaz que chamou a atenção de Catarina.
- Da onde eu te conheço?- Catarina pensava enquanto encarava o garoto. - Você só pode ter ficado com ele. - E conversava mentalmente com si mesma. - Não. Eu não fiquei com ele. Se tivesse ficado eu lembraria... Ah não ser que você estivesse muito bêbada! Coisa que não aconteceu nos últimos meses.
Ele se sentou na fileira seguinte a de Catarina, mas na segunda cadeira, estando ainda perto da garota. Ela não percebeu quando ele se virou e começou a encará-la também.
- Disfarça! Disfarça que ele tá olhando.- Ela fingiu anotar os avisos banais dados pelo professor a cerca dos horários de aula durante a semana.***
Entre palestras desnecessárias e discursos entediantes a cena se repetiu inúmeras vezes. Ambos se encaravam e tentavam disfarçar quando seus olhares se cruzavam vez ou outra. Catarina ainda não sabia de onde o conhecia. Muito menos sabia seu nome. Na verdade, havia descoberto o nome dele com as perguntas feitas pelo professor de Metodologia para os alunos. Ele tinha se apresentado como João Barcelos. João Barcelos. Ela não conhecia nenhum João Barcelos, mas isso não foi motivo suficiente para parar de encará-lo durante as aulas.
Então resolveu fazer o inesperado. Era a primeira sexta-feira de muitas que vinham pela frente. Rasgou um pedaço de papel do seu caderno e escreveu: "Você perdeu alguma coisa em mim?"
Enrolou o pequeno pedaço de papel, cutucou o garoto e lhe entregou. Imediatamente a resposta, em forma de pergunta "Não. Por que?" E assim a conversa tinha se iniciado.
"Você não para de me encarar!"
"Eu? Você que está me olhando o tempo todo."
"Eu estou olhando porque você está me olhando. Quero saber o que queres comigo."
"Eu só quero saber por que está me encarando tanto!"
"Então vamos ficar numa eterna icógnita. Pois estou te olhando pelo mesmo motivo"
"kkkk. Desculpa, mas não gosto quando me encaram da forma que você está me encarando."
"Que forma?"
"Meio investigativa."
"Ah, sou meio desconfiada mesmo."
"Está perdoada. Como é seu nome mesmo?"
"Catarina. E você é João, se não me engano, não é?"
"Sim. João Pedro"
Então Catarina sabia de onde o conhecia.
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Imprevisíveis
RomanceQuando tudo parece que vai dar certo uma última gota de água cai no balde e o faz transbordar. Estao bem num dia, no outro já se odeiam. Juram ódio eterno, mas morrem de medo de perder um ao outro. Eles se completam. Mas se atrapalham. Eles não v...