Capítulo 6

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O que poucas pessoas sabiam é que minha vida nunca foi um mar de rosas. Desde muito nova tive que ser resgatada dos problemas que eu deixava que consumisse minhas barreiras de sanidade, e nesse processo de recuperação pessoal encontrei Vera, uma terapeuta que me resgatou de um poço sem fundo que minhas neuroses tinham me transportado.

- Mais se não é a Marília? Quanto tempo minha querida. Como estão as coisas?

- Oi Vera. Que eu te adoro você já sabe, mas eu realmente te procuro quando as luzes vermelhas se acendem na minha cabeça.

- Fico feliz que você se lembre de mim sempre que surge algo em sua mente.

Conheci Vera quando tinha vinte anos, depois de uma infância e adolescência em sofrimento e sabotagem de minha felicidade, foi a primeira coisa boa que aconteceu em muito tempo. Quando nasci minha mãe morreu no parto, sou a segunda filha dos meus pais. Minha irmã, Melissa, que é seis anos mais velha que eu, nunca me aceitou por ter tirado sua mãe. E meu pai, inconscientemente, me culpava por isso também. Nunca fui amada em casa. Tentava através de notas na escola mostrar que eu era capaz, que eu existia naquela casa vazia e sem amor. Papai nunca notou meus esforços. Melissa sempre me ignorou e humilhou. Mesmo na escola ninguém sabia que éramos irmãs. Ela era a menina linda, eu era a gordinha e inteligente carente.

Minha vida amorosa começou quando eu ainda era uma menina de 14 anos que sonhava com o príncipe encantado que me tiraria daquela vida vazia e me amaria como eu era. Conheci Danilo na escola, e para surpresa de todos, o bonito garoto de olhos claros que era o galã da sala, olhou para a menina introvertida que se escondia atrás de moletons gigantes e óculos de armação pesada. O que parecia um conto de fadas logo se tornou um pesadelo.

Danilo poderia facilmente ser chamado de psicopata. Seu prazer perverso consistia em abusar de mim. De todas as formas que existiam ele tirou vantagem da pessoa tímida e medrosa que eu era. Meu relacionamento era abusivo e eu permitia todos os horrores que ele fazia a mim. Era diariamente insultada, humilhada, agredida psicologicamente e aceitava isso por não me achar uma pessoa digna de um relacionamento com um garoto tão bonito quanto ele era. Minha autoestima baixa não permitia que eu tomasse alguma atitude.

Quando finalmente consegui me livrar de todo ranço depreciativo que vivia com Danilo afundei em vários relacionamentos parecidos ao anterior. Foi difícil aceitar ajuda e visualizar uma luz no fim do túnel, nunca me vi sendo digna de algo bom, me achava amaldiçoada.

Vera foi a salva vidas que me levantou quando eu já me rastejava. Depois disso conheci pessoas legais, melhorei minha autoestima, não me permiti viver a sombra dos caprichos de ninguém. Conheci Pedro e com ele vivi pela primeira vez na vida um relacionamento seguro e normal.

- Então minha querida, qual o problema?

- Tenho um bom relacionamento, um bom companheiro, um bom trabalho, boas amigas. E não deveria ter nenhum problema. Mas estou infeliz.

- Nem sempre ter tudo que foi julgado ser meta de felicidade é sinônimo de êxtase pessoal. Muitas vezes a busca pelo perfeito é melhor que realmente ser perfeito. O caminho pode ser mais bonito que o ponto de chegada.

- Sempre sonhei com um relacionamento como o que tenho com Pedro. Essa segurança, esse porto seguro era tudo que eu sempre quis. Descobri que isso só não é o suficiente. Tenho uma vida morna, sem muita graça, e fico me julgando se talvez seja mesmo isso que seja um "casamento", e eu esteja insatisfeita por puro capricho. Não sinto frio na barriga, não sinto tesão. Muitas vezes finjo que estou passando mal ou dormindo para não transar com ele. Porque na verdade, não gosto mais de transar com meu parceiro. Sinto culpada, porque gosto dele, ele é bom pra mim, mas não gosto de transar com ele. Não sei se o amor que sinto por ele é dessa forma.

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