O quarto do hospital era branco, mas não daquele branco puro e sereno que os folhetos vendem, era um branco gasto, clínico, tingido pelo eco amarelado das lâmpadas fluorescentes e pelas sombras cinzentas que se arrastavam nos cantos quando a noite caía. Um branco que parecia gritar, uma tentativa fútil de cobrir a escuridão que Chloe carregava dentro de si.
Ela estava na cama, um pequeno ser encolhido sob os lençóis, não estava amarrada, mas sua postura era de autocontenção extrema: joelhos puxados contra o peito, os braços envolvendo as pernas, a testa apoiada nos joelhos. Era a posição de alguém tentando ocupar o mínimo de espaço possível no mundo. Seus olhos, verdes como um céu de inverno, mas sem nenhum de seu calor, estavam fixos em um ponto na parede, como se pudesse ver através dela, para um lugar muito mais terrível e real.
Steve estava na mesma cadeira, há dias, o corpo curvado, os cotovelhos nos joelhos, as mãos cobrindo a boca como se pudesse conter o desespero que o consumia. Ele não dormia direito, porque quando fechava os olhos, mesmo por um minuto, a imagem do rosto dela, naquele primeiro momento de reconhecimento, tão cheio de terror que era como se ela não o visse, mas visse um fantasma vestido com sua pele o perseguiam
Tudo o que ele fazia era estar ali, ser uma presença constante e previsível em um mundo que, para ela, era feito apenas de caos e traição.
Chloe não falava, não desde o surto dois dias antes, quando a visita de um médico com um estetoscópio a fizera gritar que era uma armadilha, que eles haviam voltado para pegá-la. Ela fugira pelo corredor, trêmula, até ser contida por Steve, cujos braços foram as únicas correntes que não a fizeram lutar.
Desde então, o silêncio.
E Steve não saía.
No primeiro dia de silêncio, ele tentou conversar.
"- Tá com dor, Chlo?"
"- Quer mais coberta?"
"- Consegue olhar pra mim, só por um segundo?"
Ela só balançava a cabeça, ou murmurava um "não" rouco e quase inaudível, os olhos desviando como se encará-lo fosse uma forma de tortura, como se o amor nos olhos dele fosse um tipo de dor que ela não sabia mais suportar.
Então, ele mudou de tática, parou de forçar palavras em um espaço que só conseguia abrigar o eco do trauma e passou a simplesmente estar. Na cadeira, com um moletom velho e o cabelo desarrumado, lendo a contracapa do mesmo livro por horas, fingindo normalidade. Oferecendo comida com gestos simples e sem expectativa. Ele notava tudo: o tremor quase imperceptível de seus lábios quando ela engolia um gole de água, o jeito que seus olhos se fixavam na janela como se esperassem uma invasão, os murmúrios em russo que escapavam durante o sono agitado.
- Eu tô aqui, tá? - ele dizia, a voz baixa, lançada no quarto como uma âncora. Não esperava resposta - Não vou embora. Leva o tempo que precisar
Ele não perguntava sobre a Rússia, porque as perguntas eram armadilhas, ao invés disso, ele trouxe o passado para o quarto branco, peça por peça, como quem reconstrói um quebra-cabeça quebrado, tirando do fundo de sua mochila surrada um chaveiro de plástico barato, um unicórnio descascado que ela ganhara em um parque de diversões anos atrás. Deixando-o em cima da mesa de cabeceira, ao lado do copo de água. No dia seguinte, foi uma fita cassete. Ele trouxe um walkman enferrujado, colocou os fones em cima da cama, sem tocá-la, e apertou play, onde voz de Max, adolescente e cheia de sarcasmo, preencheu o silêncio, era uma fita antiga das duas, e ele viu a garganta de Chloe se contrair, viu seus dedos, pousados no lençol, se contraírem levemente, viu uma lágrima teimosa escorrer do canto de seu olho e desaparecer no tecido do travesseiro. Foi um movimento. Foi algo.
No terceiro dia, ele saiu do banheiro do quarto, após se esforçar para se arrumar um pouco, vestindo um moletom azul desbotado. Era o moletom que ela sempre roubava dele em Hawkins, aquele que cheirava a casa e a segurança. Foi quando a voz dela cortou o silêncio, áspera por falta de uso, mas clara:
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Destiny - 𝙳𝚞𝚜𝚝𝚒𝚗 𝙷𝚎𝚗𝚍𝚎𝚛𝚜𝚘𝚗
FanfictionApós a morte de seu pai, Chloe Harrington retorna para Hawkins, acreditando que finalmente poderá recomeçar e encontrar paz. Mas a tranquilidade que imaginava se desfaz rapidamente quando estranhos acontecimentos começam a surgir, e os antigos boato...
