Um encontro furtivo com Deus

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Toda aquela situação bateu na minha cabeça como um rinocerontemandando um rato para o espaço. Só queria estar a dez mil léguassubmarinas daquela festa o mais rápido possível. Acho que iria atéa puta que pariu se soubesse o caminho. Atravessei a rua aplicando afilosofia "pode passar por cima que não tô ligando muito não, oprejuízo maior é seu!" Go on! Foi o suficiente paraassustar os motoristas e qualquer um que quisesse vir atrás de mim.Segui uns cinco quarteirões e virei à direita onde o cheiro demerda era mais forte e as chances de algum imbecil me enfiar uma balana cabeça ou um canivete velho e cego no estômago eram bemgrandes. Fuck! Fuck! Fuck! Sem perceber estava alucinadamentea caminho de casa procurando uma saída para não ficar lá sozinho.Então comecei a disparar mensagens desesperadoras de socorro pelocelular. "Hey Querida! Queria te ver, estou com saudades. Me liga.""Hey Amor! Estou assistindo "Ghost" e lembrei muito de você. Oque esta fazendo?" "Hey Brother! Afim de tomar todas hoje?"Cheguei em casa antes de qualquer resposta e Deus estava sentado nasala, com a perna cruzada, apoiando uma mão esticada no braço dosofá e a outra perfilando o encosto. Tinha um semblante tranquilocomo o do Dalai Lama, os cabelos do Osvaldo Montenegro e a barba doZZ Top. Vestido com uma túnica branca meio azulada parecendo mantode Nossa Senhora. Fiquei travado. Pensei que tinha morrido e nãotinha percebido. Quase chorei.

"O que aconteceu?"

"Você precisa salvar a humanidade."

"Eu? Que?"

"Esta vendo este anel?"

"Sim."

"O portador deste anel tem os mesmos poderes que eu."

"???"

"Apenas pegue o anel e pense em alguma coisa. Como um desejo."

Peguei o anel e Deus desapareceu. Essa porra funciona? Num instintoimpulsivo mandei Ele para casa do chapéu, e Ele foi? Deixei o anelescorregar da minha mão e cair no chão. Me arrependiinstantaneamente. Sei lá, me desesperei, de novo, não sabia o quefazer, era muita responsabilidade. Eu? Salvar o mundo? A primeiracoisa que me veio foi: "Some daqui!" Agora não dava para viraras costas e sair correndo. Esperei para ver se Ele ia voltar. Nada.Angústia. Nada. Fodeu! Nada. Perdón! Nada. Merda! Nada! NÃO!Nada. Abaixei para pegar o anel me sentindo como uma barata que tentafugir de um gato brincalhão, mas alguma coisa me parou. Nãoposso pensar enquanto estiver com este anel na mão. Olha o que fizda primeira vez. Tenho que pensar a coisa certa! O que eu façopara salvar a humanidade, porra? Resolver os conflitos no OrienteMédio, transformar a África no Mundo Novo, acabar com a fome emtodo planeta, expurgar os corruptos, reviver os dinossauros, detonaros bancos e offshores, legalizar a maconha e o aborto, deletaro Facebook, apagar o WhatsApp, extinguir as doenças, fazer todomundo nascer inteligente, distribuir dinheiro, free love,liberdade, igualdade e fraternidade........O QUE!? Não dá parasalvar a humanidade de uma vez só, assim com um anel e boa vontade.É muita coisa para fazer em pouco tempo. Com certeza não era issoque Ele queria dizer. Convicto apanhei o anel do chão e desejei queEle estivesse sentado ali novamente. Niente! Com mais força.Nothing! Essa porra não funciona? Rien! Aparece!Nadie! Larguei o anel no instante em que a frase "cadêVocê filho da puta!?" começou a passar na minha cabeça igual ofundo de tela do computador.

Me afundei no sofá com as cinquenta mil bigornas que estavacarregando nas costas. Depois de um cigarro, que não clareou minhasideias, ajoelhei no chão e disparei a rezar Ave Maria e Pai Nossocom a palma das mãos juntas, com os dedos tocando a testa, meiocurvado, prestes a surtar. Não tinha ajuda, nem universitários, nempular para próxima. O mundo continuava um caos e meu cérebro tinhao formato de um anel amassado pela ira divina contra a minhaimbecilidade. Comecei a recompor a racionalidade andando de um ladopara o outro. Primeiro da sala. Depois da sala e da cozinha. Depoisandando pela casa inteira. Sentei na privada, apoiei o cotovelo namão, a mão na coxa, a outra mão no queixo, curvei as costas com asbigornas, e não adiantou nada. Olhando assim para minha vida, quemdiria que eu teria que salvar a humanidade? Meio drogado, desiludido,abandonado, desempregado, estragado, fulo da vida. Porque não oObama, ou a Angela Merkel, ou o Neymar, ou o Sheike de sei lá aonde,ou o Papa.....o Papa! Por que não o Papa?! Não. Era eu, o anel e odestino da humanidade perdidos num jogo de paciência travado sembotão de reset.

Meu velho pai sempre dizia que vale a pena viver para contar umahistória. Sempre pensei que isso fosse só uma besteira qualquer delivro do Augusto Cury. Mas eu tinha muita história para contar.Sobre todas as vezes em que tinha que ter feito uma coisa e fizoutra, ou sobre como não viver uma vida. Também não sou tãoidiota assim, só preciso de um empurrão as vezes. Como um cachorrovelho que não quer perder o hábito imbecil de correr atrás dopróprio rabo. Então comecei a pensar na Galadriel falando com oFrodo. "Even the smallest person can change the course of thefuture." Então veio botão de reset + Augusto Cury +Frodo. Porque o Frodo? Porque a tarefa não era para o Bilbo. Corripara sala, peguei o anel do chão e fechei o olho. Quando abri estavacasado, morando numa casa planejada num condomínio fechado, com umfilho perfeito e um cachorro que sempre parecia estar sorrindo.

A vida é uma puta barata!Onde histórias criam vida. Descubra agora