Rolê de terça a noite

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O localusado para as reuniões era a sala de aula de uma escola estadualmeio mal iluminada. As carteiras dos alunos eram enfileiradas noscantos da classe e umas nove formavam um círculo no centro. Numcanto, a mesa do professor era usada para servir café, chá ebolachas espalhadas numa bandeja. Do lado alguns panfletos sobreAIDS, cirrose, assistência social e algumas camisinhas. Nas paredesestavam pendurados desenhos, redações e cartazes dos mais variadostemas. O ventilador não funcionava. Depois das 21h os esquecidos porDeus, e o resto do mundo, começavam a chegar pelas sombras, searrastando como vermes que querem cruzar a floresta sem serem notadospelos grandes animais ferozes.

(Psicólogo)– Estou vendo caras novas aqui. Alguém quer falar?

(Todos)– ...

(Psicólogo)– Tudo bem. Como vocês passaram a última semana?

(Todos)– ...

(Psicólogo)– Sei que este é um momento difícil para todos, e sei que todosjá escutaram isso ao menos uma vez na vida: temos que dar parareceber. Sem a ajuda de vocês nada disso faz sentido. Vocês queremacabar como fanáticos religiosos?

(Todos)– ...

(Psicólogo)– Você não vem a nenhuma reunião faz algumas semanas Bolacha.Como passou?

(Bolacha)– ...

(Psicólogo)– Vocês vêem aqui porque querem parar de se drogarou para comer bolacha e tomar café?

(Mateus)– O Vassoura também tem o lance da condicional.

(Vassoura)– Você não tem lugar para ir mesmo?

(Magrelo)– E você já resolveu seu problema com a assistência social? Abolsa pó tá caindo?

(Mateus)– Você parece bem Magrelo. Ainda esta fazendo bomuso das drogas?

(Magrelo)– Você casou e teve filhos?

(Mateus)– Ainda não, não sei se é isso que eu quero.

(Magrelo)– Acho que é porque você não consegue arrumar uma mulhere muito menos fazer um filho nela.

(Psicólogo)– Por favor, vamos nos concentrar no porque estamos aqui.

(Marcela)– Porque você esta aqui?

Qualquer grupo que tem uma letra "A", que significa anônimo, nasigla, não se reúne para comemorar alguma coisa ou se divertir. Sefosse este o caso o "A" da sigla significaria "quero que todomundo saiba". Ninguém quer ser feliz ou fazer filantropia baratasem ser reconhecido por isso. As únicas pessoas que querem fazeralguma coisa de forma anônima o fazem desta forma por que, por algummotivo, não vão poder se orgulhar muito do que estão fazendo.Talvez para um ou outro futuro anônimo, mas não para o mundo. Aapresentadora de palco Eliana, a dos dedinhos, diria que o que vocênão pode contar para o seu pai e a sua mãe não é legal. Issocoloca boa parte da vida do lado do bolo que cai no chão virado parabaixo.

(Magrelo)– Sempre me pareceu que os outros tem problema com as drogas queuso, me dou bem com elas.

(Psicólogo)– Como é se dar bem com as drogas?

(Magrelo)– Quando tem esta bom, quando não tem não esta bom.

(Psicólogo)– Então você admite que é um viciado? Sem a droga você não éfeliz?

(Mateus)– Não dá para ver olhando só para cara dele?

(Magrelo)– Cala a boca otário! E você acha que sou um viciado?

(Psicólogo)– É?

(Magrelo)– Um viciado, tipo um parasita, um problema. Tipo aquele parenteque você não convida para o Natal, ou aquele cara que você vê narua e sente dó. O fraco, o perdedor, perdido. Que só pensa emdroga. Que o tempo todo só quer droga. Você acha que sou umviciado?

(Sheila)– Não é só porque uso drogas que sou tudo isso aí. Fale porvocê.

(Psicólogo) – Você acha que ser um viciado é ser assim?Assim que você se sente?

(Magrelo) – Como você se sente?

É muito mais fácil dar pitaco na merda dos outros. Quando o pronome"nós" não se aplica qualquer coisa fica parecendo moralismobarato. Dizer para alguém se abrir numa reunião com um psicólogo emeia dúzia de estranhos que se parecem muito com você é o mesmoque dizer para um leão que ele só vai poder comer alface. Se oprograma não funcionar quem perde o emprego? Para o resto não mudanada. Mas se o programa funcionar vai vir toda a vida de merda de umtrabalhador operário, caixa de supermercado, operador detelemarketing entre outras perdas de tempo que pessoas sem uma formade entretenimento forçado tem que fazer. Como a maioria querconservar o mundo como está, melhor que alguém perca o emprego.

(Psicólogo) – Gostaria de falar da pressão dos pares queincentiva um comportamento inapropriado e autodestrutivo.

(Marcela) – Agora somos todos um bando de "Maria Vai ComAs Outras"? Devíamos ir atrás de você?

(Mateus) – Pega ele....vai, vai, vai....

(Marcela) – Cala a boca retardado.

(Magrelo) – Se for cocaína prefiro cheirar sozinho, mas élegal fumar um baseado com a galera.

(Marcela) – Maconha não é droga idiota!

(Psicólogo)– Usar droga sozinho não é um comportamento autodestrutivo?

(Marcela)– Só se você tiver escutando Radiohead com uma gilete por perto.

(Bolacha) – Até café e chocolate são drogas.

(Psicólogo) – Por que vocês usam drogas?

(Marcela) – Porque café e chocolate não dão barato.

(Vassoura) – Bebo café para dormir.

(Sheila) – Café também me acalma.

(Psicólogo) – Acho que conseguimos progredir um pouco hojepessoal. Para semana que vem peço que todos pensem no que poderiamfazer se não usassem droga.

(Vassoura) – Preciso que você assine esta carta dacondicional antes de ir embora.

(Mateus) – Esta aqui da assistência social também.

A vida é uma puta barata!Onde histórias criam vida. Descubra agora