Inexplicável.

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O chão da minha sacada era tão gelado quantos meus pensamentos. Não aceitava o fato de minha mãe estar morta e não tê-la visto nos seus últimos dias, me culpava a todo o instante por ser um filho ausente, por maior que fossem os problemas com meu pai ela sempre esteve ao meu lado.

Nunca fui de julgar a dor de ninguém, mas ouvir alguém dizer que "vai passar" me deixava furioso. A dor de perder uma mãe jamais passa, assim como perder um filho ou perder qualquer coisa que amamos, aprendemos a lidar com a situação mas jamais deixamos o pensamento da falta passar.

Minhas lembranças de infância vinham a todo o instante e trazia com elas as lágrimas, não me recordava da nosso última conversa e isso que causava ainda mais sofrimento.

Certa vez, minha mãe me disse que eu realizaria meus sonhos, que iria longe e hoje eu não podia contar a ela que um dos meus sonhos tinha se tornado realidade. Eu não poderia contar a ela que fui convidado para estudar fora, não poderia apresentar a ela o Arthur nem nada do meu futuro.

Fui arrancado dos meus devaneios de sofrimento quando meu irmão bateu na porta. De todos naquele apartamento, ele era o único que eu queria ver.

Ele não falou sem questionou nada, apenas me abraçou, tão forte que eu sentia a raiva em seu abraço, não raiva de mim, mas raiva da situação em que nos encontrávamos. O Mateus sempre foi o mais forte, o decidido e vê-lo frágil desse jeito me colocava em uma situação de questionamento. Se ele que era forte estava assim, o que seria de mim?

Meu irmão sentou-se ao meu lado na sacada e me pediu um cigarro. Ele nunca fumou mas não iria questionar. Ficamos sentados vendo o sol nascer, entre cigarros, silêncio e raios de sol.

-Lembra quando o papai te pegou passando batom e a mamãe disse que tinha passado em você para ver como ficaria, porque sua pele era mais bronzeada que a dela? -Meu irmão me olhava com um sorriso bobo no rosto, podia ver em seus olhos as imagens da lembrança.

Eu não consegui responder, e não demorou muito para que as lágrimas me dominassem. Minha mãe sempre encontrou formas de me proteger, por mais que meu pai fosse um maluco ela sempre arrumou um jeito para nos deixar bem.

Ter sonhado com ela na noite anterior me fez questionar nosso relacionamento, por mais distante que estivéssemos sempre fomos muito ligados. Ela me sentia, assim como eu. Realmente aqueles discursos de filhos que perdem seus pais sem chances de se despedir é mesmo devastador, a culpa e o arrependimento vem à mente tão frequentemente quanto as lágrimas.

Meu irmão diante de mim com um cigarro entre os dedos me lembrava meu pai, o pai do qual eu fugi estava diante de mim e nesse momento me questionei sobre como ele se sentia. Perder uma esposa deveria ser tão difícil quando perder uma mãe, por mais distante que fôssemos eu queria vê-lo, abraça-lo e deixar de lado todas as nossas diferenças.

Fiquei deitado na sacada até o sol alcançar o alto dos meus olhos, o calor, as flores anunciavam um belo dia, mas não para mim. Quando cheguei na sala, os mesmos amigos que gritavam meu nome minutos antes de eu receber a notícia da qual me estilhaçou estavam sentados, aguardando o momento em que eu sairia do quarto aos pedaços. Os olhares que recebi não eram só de pena, eu sentia a bondade em seus olhos. Ao fundo, o Arthur estava debruçado sob a bancada, seus olhos encontraram os meus no mesmo instante que cheguei, e ele soube que eu precisava do seu abraço. Fiquei grudado nele por um bom tempo, absorvendo seu amor, recebendo toda a força que eu precisava para enfrentar minha família em um funeral.

-Eu te amo, estarei contigo sempre. -O Arthur sussurrou no meu ouvido.

Novamente não soube responder, eu queria falar que também o amava, mas naquele momento queria guardar suas palavras, o abracei o mais forte que pude, e as lágrimas vieram novamente.

Fumaça nos Olhos (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora