Capítulo 9- A primavera pertence a qualquer um.

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Refaço o caminho do Bosque por onde Tia Dê me levou, continuava bem cuidado e a sensação de se sentir bem ao estar ali ainda pairava pelo ar. Resolvo não me adentrar no Bosque e ficar apenas ali naquela pracinha adorada pelas crianças e casais apaixonados. Observo há alguns metros de distância dos brinquedos que tanto divertiam as crianças um banquinho já desgastado pelo tempo, repenso se deveria chegar até ali. Uma moça ocupava o lado direito do banquinho e mantinha três flores nas mãos.

- Com licença moça, deixe-me sentar aqui. Olha só, o céu já está escurecendo a chuva logo se aproximará.

- De fato - Concordou, reparando nas flores que levava consigo.

- O Bosque realmente têm flores lindas.

- Essas não pertence ao Bosque. - Disse, olhando-as com fixação.

- Pertence a algum jardim vizinho?

- Infelizmente não, moço. - Me encarou com o semblante triste - São de qualquer lugar, apenas. A primavera cuida delas.

- Você parece conhecer bem a primavera.

- A primavera pertence a qualquer um, moço. - Cabisbaixa, percebi um leve sorriso torto. - Me chamo Clara, prazer.

- Muito prazer, moça do nome bonito.

Me sorriu.

- Gosto daqui, esse lugar me diz direitamente que ainda há esperanças para a vida, as pessoas e para o mundo.

- E para o amor, também. - Completou.

- Sim. - Concordei prontamente - Deixe-me lhe contar algumas histórias, aliás, deixe-me ouvir as suas histórias. Ando esclarecendo tantos fatos nos últimos dias, hoje gostaria apenas de ouvir.

- Já desejei ser flor, enfeitar algum jardim e perfumar a mão de alguém. Quis ser poesia para fazer alguém se apaixonar por palavras simples e verdadeiras. Mas, olhe só essas flores aqui, logo elas estarão murchas e terão o seu final. E as poesias? Nem todos que a lêem sabem seu real significado. Ninguém sabe a dor de quem fixou aquelas palavras ali, ninguém entende o ruído de um coração que sofre, poucos valorizam a beleza de uma flor e a profundidade de uma poesia. - fez uma pausa e continuou - E você, o que gostaria de ser?

- 'Ser' não seria a palavra certa a usar, mas eu desejaria de ter o poder de transformar momentos em sonhos. A primeira vez que vi o sofrimento em minha mãe mulher batalhadora e persistente, eu gostaria que tudo aquilo se tornasse apenas um sonho ruim. Quando presenciei a cena de uma garota tão triste porque não souberam valorizar o seu amor da meneira certa, eu também quis transformar aquilo em um sonho que logo ela acordaria e tudo estaria de certa forma, bem. - Confessei, relembrando dos fatos passados.

- Ninguém sabe como reagir ao fracasso alheio, ou ao coração partido de outra pessoa.

- Sim. Eu, sinceramente, gostaria de lidar com isso de outra forma a não ser ouvindo mas eu lhe ouço Clara. E esse olhar triste? Obrigado por me deixar sentar ao seu lado, sei que não sou nenhum dos seus melhores amigos, sou só um cara que ler, observa, escreve e escuta.

- Não tenho muitos amigos, aliás, só um, e ele está muito longe daqui.

- Você está me achando um completo estranho, não se assuste, não lhe pedirei um beijo nem nada disso. Eu tenho um amor, sabia? Digo, um único amor, um futuro cônjuge.

- Eu também - disse-me.

- Ah. Eu já entendi. E esse amor te faz bem? Não precisa responder, sou apenas um desconhecido. Um desconhecido que não usará suas palavras contra você em um futuro próximo.

- Ela se foi tarde demais esperando um amor que nunca teria, e agora está aqui perdida em seu próprio abismo. - disse a pessoa sentada ao meu lado, de cabeça baixa.

Silêncio.

Um silencio constrangedor, eu diria. O que falar? "Ele volta, espere mais um pouco" ou "Vocês irão se acertar". Não. Isso não acontecerá. E não venha com -"Nossa, você nem a conhece e já está tirando conclusões precipitadas"-

Ele não vai voltar, sabe porque? Ela quem foi embora. Ela quem se cansou. Ele não pode fazer mais nada. Nem eu.

Diga-me se você se acha tão interessante quanto eu lhe acho nesse curto momento de conversa que tivemos. Você aceitou conversar comigo e eu aceito te ajudar, menina.

Vai, levanta daí e vê ao seu redor que imagem linda; árvores, crianças, pessoas, vida.

Vida essa que você está deixando passar sem nem encara-lá.

Levanta desse banco e segue essa vida que você está deixando de lado. Não deixe sua fé ser apenas filosofia. Cuide dessas flores, e cuide de você.

Segue, menina.

- Obrigado por falar, Clara. - Agradeci.

- Obrigada por me ouvir. E ah moço... - Falou já se levantando.

- Sim?

- Você conseguiu transformar o meu momento em sonho. Fique com elas, a primavera lhe pertence também basta você dar uma chance para conhecê-la. - Disse me entregando as flores e abrindo um sorriso.

Cuidarei bem dessas flores e espero que a primavera seja um sonho para todos nós. Um sonho real que se viva todos os dias e explore todas as manhãs, um sonho intenso que a luz do sol com sua grandeza possa iluminar e acalentar os momentos de inverno extenso.

Continuarei ouvindo mais histórias e contando, essa foi a sua história.

Estamos quites, moça.

Escrevi, apenas.Onde histórias criam vida. Descubra agora