Capítulo 23- Isso também é poesia

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Numa certa conversa, em um bar com uma roda de amigos e algumas bebidas, observei o quanto vazia era a vida de alguns, o quanto só reclamavam: da mãe, da mulher, do emprego, de tudo.

- Ela pega muito no meu pé - dizia um.

- Meu chefe é muito rabugento- debatia outro.

Escrever sobre o que observo se torna relevante se você observar com os mesmos olhos que eu. Uma lição em cada olhar, observar e aprender algo com isso.

Em um breve momento corri os olhos em um por um, sentados naquela mesa comigo, prendi minha atenção por instantes em um amigo dos tempos de escola, o que reclamava mais.

- Meu filho só sabe chorar e fazer birra para conseguir o que quer, minha mulher não ver isso e faz todas as vontades dele, já cansei dela e daquela casa, se eu for embora dali quero ver como ela vai ficar.

"Ficará ótima, pode apostar. Melhor impossível." pensei, deixando escapar um breve riso.

- Você está rindo da minha cara? -perguntou Max, já alterado pela bebida.

- Sim, de você mesmo. - respondi com naturalidade, e pena.

Logo me veio um pensamento, como as pessoas mudam e muitas das vezes para pior.

- Não se rir de um homem que com 1,90m de altura, espero que saiba disso. - Disse dando gargalhadas.

- Mas se rir de um homem que não valoriza a família que tem e a esposa dedicada que soube conquistar um dia, e agora a está deixando escapar.

Todos olharam um para o outro perplexos e alguns concordaram com a cabeça. Era somente a verdade, que ninguém tinha coragem de impor ali. Eu também preciso de umas verdades, todos nós precisamos, para amenizar as ilusões cotidianas.

Uma amiga que há tempos não a via estava ali também, ouvindo e acompanhando tudo com o olhar, silenciosa até então. Sammy, cabelos vermelhos, pele clara e olhos cor de mar.

- Você reclama do seu filho que lhe espera todos os dias para te contar como foi na escolinha, como machucou o joelho ou até mesmo para lhe mostrar o desenho que fez da família. E você, hein Max? Diga-me em porcentagem o quanto de atenção você da para o seu filho... -fez um pausa dramática, encarando-o e não esperando a resposta continuou. - Quando me tornei amiga de sua mulher, vi o quanto sortudo você era por tê-la ao seu lado. Ela me perguntou se eu queria ser babá do filho de vocês enquanto não achava outro emprego, e com o tempo percebi também que você tem um filho maravilhoso e todo trabalho que ele dá é para chamar a atenção do pai que mal o olha nos olhos.

Percebi que não é somente eu que deixo umas verdades por onde passa.

- Você não sabe de nada! -Max disse vociferando as palavras.

- É claro que sei, passo mais tempo com a sua família do que você, esqueceu? - Sammy retrucou com ironia.

Desde os tempos de escola é assim, os dois nunca se entendiam muito bem. E pelo jeito nada mudou.

- Melhor arrumar outro emprego, babá do meu filho você não será mais!

- Mas continuarei sendo amiga, e todos aqui sabem o quão inútil você é para sua mulher e sabemos também quantos caras gostariam de está em seu lugar e ter o filho que você tem! - disse Sammy já com a voz alterada também.

Max se levantou empurrando a cadeira com brutalidade e saiu deixando um clima sobrecarregado pairando no ar, todos se entreolharam sem dizer uma palavra, conheciam o amigo há muito tempo e sabiam do trauma sofrido na infância pelo abandono do pai, e que agora descontava em seu próprio filho.

- Ser pai talvez não seja para todos.

- Educar não é para todos. - disse Sammy, me corrigindo.

Educar é, também, escutar o que os mais velhos tem a ensinar e ouvir o que as crianças tem a dizer. Isso também é poesia. É você aprender com o próximo e deixar que alguém aprenda com você.

Escrevi, apenas.Onde histórias criam vida. Descubra agora