— Por acaso valeu a pena? — Eva perguntou ainda de braços cruzados, enquanto fazia um curativo acima da minha sobrancelha. — Eu sei que ele é um idiota, mas se aquele garoto não tivesse te parado, você poderia estar na delegacia agora, Clay!
— Posso responder sinceramente ou você prefere não ouvir? — perguntei, recebendo um olhar bravo como resposta.
Sabia que aquela não havia sido a melhor decisão, provavelmente meus pais saberiam e minha psicóloga voltaria a falar sobre surtos de raiva e descontrole por um bom tempo, mas não me arrependi, nem um pouco.
Theo merecia, merecia muito mais.
Porém, a intromissão de Dante foi algo que me surpreendeu. Não gosto dele, não me inspira nem um pouco de confiança, mas vê-lo tentar apartar a briga e me trazer de volta a razão me fez repensar um pouco minha posição sobre ele, mas não muito.
Eva não falou nada, provavelmente percebeu que eu não mudaria de ideia quanto a minhas motivações mais que válidas para quebrar a cara daquele desgraç4do. Sei que aquilo havia estragado boa parte da nossa noite, mas pensar em Theo me deixa louco, mesmo depois de tanto tempo. E sei que não foi só a mim que ele irritou.
Depois de terminar o curativo e me dar um boa noite um pouco seco, Eva foi para seu próprio quarto e eu para o de Aura. Nunca foi estranho para nós dividir o mesmo espaço, uma cama ou qualquer coisa assim, somos próximos desde o primeiro dia que nos vimos, a última coisa que quero é vê-la novamente no buraco como quando Theo passou como um furacão por sua vida.
Destruindo tudo.
Assim que passei pela porta, seus olhos castanhos, quase esverdeados, se prestar bem atenção, caíram sobre mim com preocupação e curiosidade. Aura estava sentada, usava um pijama ridículo, como muitos outros que tinha, e seus cabelos estavam presos, essas cenas sempre me lembravam muito da nossa infância, mas, normalmente, eu era a criança chorosa.
Me sentei ao seu lado, tirando os sapatos e a puxando para um abraço de lado, deixando sua cabeça em meu ombro enquanto pensava. Não falamos nada, não inicialmente, só ficamos ali por longos minutos, pensando em como a noite que tinha tudo para dar certo acabou de forma tão desastrosa.
— Eu não achei que ele ia procurar você — ela murmurou, suspirando pesadamente, se ajeitando na cama macia. — Ele apareceu do nada... Eu fiquei nervosa e...
— Não é culpa sua, ninguém imaginou que ele estaria por lá — falei, fazendo um carinho gentil em seus cabelos. — Theo sempre foi imprevisível. Mas está tudo bem agora, foi só uma coincidência, ele não vai voltar, eu estou aqui por você, Aura.
Theo era como o bicho papão nos sonhos dela, a figura do mal, o primeiro cara de quem Aura gostou, o primeiro que a fez sofrer e que a machucou, agora ele estava de volta e com toda certeza, mesmo que eu falasse o contrário para ela, as coisas poderiam piorar.
❦
Não dormi, vi o sol nascer e também ouvi quando Eva saiu do seu quarto, passando pela porta de Aura e seguindo para fora. Ainda estava agitado, tinha algumas dores e ficar a noite inteira acordado não me dava o melhor humor matutino, mas sei que ela estava chateada com a briga e com o meu comportamento.
Sai da cama bem devagar, tomando cuidado para não acordar Aurora, já que ela também quase não dormiu, mesmo se esforçando para fingir que sim sempre que eu a olhava. Estava usando um short e uma camiseta amarela, meio desbotada, era o que eu achava mais confortável para dormir, mas talvez não fosse a melhor roupa para encontrar a "minha garota" no jardim da casa dela.
Desci as escadas silenciosamente, o pai de Aura provavelmente estava dormindo e, com toda certeza, sua mãe não estava mais em casa, afinal, ontem ela estava preparando alguma palestra e já estaria voando para algum lugar a essa altura. Passei pela cozinha, não encontrando nada além de um bule usado na pia, sentindo o cheiro de chá fresco.
Então segui até a porta dos fundos, chegando ao jardim.
Eva estava de costas, sentada na grama. Seus cabelos estavam divididos no meio, presos em duas trancinhas completamente loiras e um pouco mal feitas. Usava um moletom com vários arco-íris e uma calça escura igualmente grossa, a manhã estava fria e, diferente de mim, ela estava bastante aquecida.
Caminhei devagar, me sentando ao lado dela, que sequer se moveu, somente levou a xícara aos lábios, bebendo um gole de chá, me olhando de soslaio.
— Não é muito cedo para você já estar de pé? — perguntei, inclinando o corpo levemente e tocando meu ombro no seu. — Está melhor?
Eva não respondeu de imediato primeiro voltou o corpo para mim, me olhando diretamente, seus olhos azuis estavam um pouco tristes, assim como seu rosto, que parecia cabisbaixo. Os lábios, sempre vermelhos e bem desenhados, não estavam sorridentes ou sequer gentis, mas não era algo como raiva, Eva estava incomodada e triste.
— Nunca é cedo para um chá — ela respondeu, erguendo levemente a xícara. — Como está Aurora?
— Dormindo, mas bem — falei, tocando levemente sua perna a olhando. — O que você tem? Não tente me enganar, sabe que te conheço bem.
— Não conhece não — ela respondeu, rápido demais, me fazendo piscar os olhos algumas vezes, surpreso com a sua fala. — Mas isso não importa, o baile foi legal, tirando toda a confusão do final — ela mudou de assunto, voltando a beber um pouco de chá.
— Por que não conheço? — insisti, recebendo nada além de um balançar de ombros. — Eva... Vamos conversar, entendo que você esteja chateada por causa da briga, mas...
— Isso não é sobre a briga, Clay — ela falou, perdendo, mesmo que por um único momento, a paciência. — Mas não quero falar sobre, não vale a pena e você precisa ir falar com seus pais, eles ligaram ontem, mas minha mãe conseguiu dobrar os dois.
A insistência dela em mudar de assunto me deixou ainda mais curioso e, talvez, um pouco irritado. Achei que, depois do baile e da noite de ontem, as coisas se ajeitariam e, quem sabe, poderíamos tentar algo, mas as coisas nunca são fáceis, não para mim.
— Agora eu vou subir, preciso terminar algumas coisas. — O ultimato dela me tirou dos meus pensamentos e, antes que Eva saísse do jardim, segurei sua mão.
— Não sei porque está assim, Eva — iniciei, acariciando sua pele macia e tentando sorrir levemente, mesmo causando um pouco de dor por conta do corte em minha boca. — Mas foi especial para mim.
Então a soltei.
A loira ficou ali por alguns segundos, mas se levantou logo em seguida, murmurando algo que não consegui entender antes de seguir para dentro, me deixando sozinho no meio da grama gelada e com uma grande confusão na cabeça.
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A conselheira Amorosa
Teen FictionAh, o ensino médio! Que época da vida consegue ser mais caótica e incrivelmente bela que a adolescência? Aurora não sabia essa resposta, mas seguia acreditando que estava cumprindo seu papel e que aquele período se sua vida seria muito proveitoso...