Dias de dor

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Como o nosso plano foi por água abaixo, não nos resta outra opção, vamos esperar o eclipse que ocorre depois de amanhã e nós dois morreremos no ritual. Nenhum de nós vai sobreviver, e o pior é que Robian não sabe de nada disso.

Não sei como vou contar, na verdade eu nem iria, mas talvez ele tenha alguma solução.

Saio do abraço apertado do Sherman e entrelaço nossos dedos, assim vamos para a cozinha encontrar meu irmão.

- Robian...

- Oi irmãzinha, o que...- ele se vira para nós e observa nossas mãos juntas, digo, minha mão e a do Sherman. - Explique Madeleine!

Rapidamente, separo nossas mãos e peço perdão ao Sherman com apenas um olhar. Não é que eu não vá contar a notícia ao meu irmão, é que eu preciso que ele esteja concentrado no que vou dizer.
Por isso deixei sua pergunta no ar, agora precisamos resolver um problema maior.

- Sherman e eu estamos morrendo. Pouco a pouco. Me parece que os rituais que nossa mãe fez foram por água abaixo. Depois de termos ido ler um livro de um homem estranhamente ruivo, fomos encontrar o Mago que começou tudo isso, mas descobrimos que ele havia morrido no dia anterior. Porém, conseguimos que o filho dele fizesse o feitiço para nos separar, mas quando ele ia começar, os espíritos mandaram ele nos matar porquê somos aberrações para a natureza. - terminei de falar e estava cansada, torci para que Robian tivesse entendido meia palavra.

- Como descobriu que estava morrendo? - Ótimo, acho que ele deve ter entendido.

- Papai.

- Ele nos achou!? Precisamos sair daqui!

- Calma, ele não sabe onde estamos. E acho que ele vai nos ajudar.

- De que forma?

Olho rapidamente para Sherman que está distraído olhando pela janela, depois volto a fitar meu irmão e respondo.

- Da forma que me for necessária.

- Por quê acha que ele faria uma coisa dessas?

- Não sei, mas eu não vim aqui para discutir isso. Tenho menos de dois dias para aproveitar com meu irmão e não sei mais o que eu faço! É tão pouco tempo! - vou para seus braços que ultimamente tem sido meu porto seguro, então ali, minhas lágrimas que não sei porque ainda existem, começam a molhar meu rosto pálido claramente abandonado pela vida.

- Ei, vai ficar tudo bem! - Ele tenta me consolar.

- Não, Robian, não vai! Meu último dia deveria ter sido a mais ou menos um ano, eu deveria ter programado tudo, poderia ter me despedido de todos que me amam!- saio de perto dele para não descontar a raiva que sinto de mim mesma nele.

- É? Todos quem? Quem esteve contigo todos estes dias que você não conseguia dormir porque seu corpo estava morto e sua alma viva? Quando não podia mais comer seu lanche favorito porque não queria morrer de velhice? Você pode se despedir de quem te ama. Madeleine, eu te amo. De verdade! Sem as mentiras que seus pais te contavam, eu te amo!

- Robian, você não entende! Eu passei a maior parte dos meus dias como uma paciente em caso terminal, pensei que tivesse me livrado disso para sempre, e agora estou morrendo de verdade! De novo!

- Não diga isso...

- Quer saber, eu vou tentar esquecer isso! Quando eu morrer, simplesmente morri.

Mas tudo era mais complicado do que parecia. Ao me deitar na cama comecei a sentir dores no corpo todo, não era como um virose, nem como uma cólica, era como garras enfiadas em minha pele. Tudo doía, eu não tenho força sequer para levantar e pedir ajuda, então continuo sofrendo, sozinha. A dor é tão forte que me faz apagar e reanimar sozinha, tento não me mover, acho que se fizer isso irei rasgar toda a minha carne e eu ainda preciso dela. Quando estou perto de apagar outra vez, vejo duas pessoas entrarem no meu quarto. Robian e Sherman.

Sherman quase desacordado, assim como eu. Ele está com o braço esquerdo apoiado no ombro do meu irmão.

- Vi ele assim, pensei como você deveria estar e estava vindo vê-la, mas achei melhor não o deixar sozinho. Vou cuidar dos dois.

Passei o dia todo com essa maldita dor. Sherman ao meu lado deitado na cama comigo, me olhava e logo em seguida apagávamos. Sentia sua dor e sabia que ele sentia a minha também, pode até ser estranho mas, era uma sensação boa de saber que ele sentia o mesmo que eu, e eu nem precisava dizer nada. Eu não conseguia dizer nada.

Passamos a noite lado a lado. Robian mostrava seu desconforto por nos ver tão próximos mas não tirou Sherman de perto de mim. Ele havia trazido sangue para nós e nos dado na boca. Gostaria de um dia não ter mais que beber essa coisa nojenta outra vez, queria que esse sangue continuasse nas veias das pessoas, não na minha boca.

Logo que o dia amanheceu, percebi que tinha mais forças, ou na verdade eu apenas precisava de mais forças.

Vi Robian exausto, deitado, todo esparramado na poltrona ao lado da cama que estávamos.

Tentei me levantar, mas quando me movi senti a carne no meu abdômen se partir, assim aconteceu também com minha perna esquerda. Tudo o que eu podia fazer era gritar de dor. Vi Sherman fazer o mesmo, os lençóis rapidamente foram tingidos de vermelho, nossos gritos acordaram Robian e logo boa parte dos que moravam na casa estavam na porta de nosso quarto.

Não conseguíamos parar de gritar. Mas teve o momento do alívio, onde eu não sentia dor, era tudo tão leve...

- Abram a porta! Sou eu, Ruth. Posso ajudar.

Robian levantou da poltrona o mais rápido possível e abriu a porta para que Ruth, a bruxa, entrasse.

A dor retornou com toda força, gritei e Sherman também.

- Olhem para mim, vocês dois! - Ruth nos chama a atenção, e quando obedecemos a dor imediatamente para.

- Como você fez...- tento perguntar, mas ela me interrompe.

- Depois que estiver bem, você saberá. Robian, preciso falar com você a sós.- Ela diz expulsando os demais ocupantes do quarto.

Ela começa a falar com Robian, mas não ouço nada. Ela deve estar nos impedindo de ouvir. Eles nos olham e percebo a expressão mista de angústia e raiva de Robian, ela deve ter contado tudo a ele.
Poderia me perguntar como ela conseguiu descobrir, mas ela é uma bruxa, deve saber de muita coisa.

A verdadeira doença após a morteOnde histórias criam vida. Descubra agora