Capítulo 04 - Senta lá, Cráudia.

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Pela manhã, com o barulho nada amigável do despertador do meu celular acabei acordando.

Me vesti com uma calça estampada em Mickey's, uma blusinha preta e um Vans no banheiro do quarto. Fiz um coque rapidamente no meu cabelo, ajeitei meus óculos e fui para a cantina. Assim que tive meu café da manhã em mãos, acerca de cinco minutos se passaram e o sinal alertando a primeira aula, acredito eu, tocou. Praticamente engoli tudo e voei de volta ao quarto.

— POR QUE DIABOS VOCÊ NÃO ME ACORDOU? — Igor, ou melhor, Bela Adormecida, gritou em um salto quando o barulho proposital da porta sendo fechada fez com que ele acordasse e visse as horas no relógio acima do criado-mudo. Incrível que com o som ensurdecedor do sinal não o fez nem cócegas, mas uma porta sendo fechada ocasionou até histeria no senhor delicado.

Seguidamente Igor correu para o guarda-roupas, enquanto eu apenas checava os materiais em minha mochila velozmente.

— Desculpa mas a feia aqui não é sua Babá — o lembrei de seu elogio e segui em direção a alguma sala que sinalizasse o 3° ano. É mais que claro que perdi a primeira aula. E claro também que eu poderia simplesmente ir à direção e perguntar e foi o que fiz.

Entrei na sala um pouco antes da segunda aula começar já que a professora ou professor havia se atrasado e eu não fui a única, a Bela Adormecida também. Não acredito que vou ter que dividir a sala com esse mal educado.

Me assentei na primeira carteira que vi sem nem mesmo reparar no resto dos alunos. Retirei meu estojo e caderno da mochila e fiquei olhando o que havia na lousa relativo a aula anterior.

Algumas cutucadas vindo de alguém atrás de mim me fez desconcentrar totalmente da pequena revisão de conteúdos contidos no quadro negro.

— Ei! — olhei para trás de ralance e exclamei antes de saber de quem se tratava.

— Escuta aqui garota, tô sabendo que você tá dividindo quarto com o Igor... — a menina pronunciou de uma forma intimidadora próxima ao meu ouvido e seguiu dizendo: — E eu só quero te alertar que ele é MEU namorado e nem ouse sequer tocar nele, tá ouvindo? Apesar que eu nem deveria estar perdendo meu tempo com uma coisa horrorosa como você. A cara lotada de pereba, que nojo! — e soltou uma risada de puro sarcasmo.

Junto com as palavras dela veio em mente outras séries de vezes que isso se repetiu em outras escolas e, obviamente lá estava eu, tentando, apenas tentando conter as lágrimas, sem nem mesmo conseguir controlar minhas drásticas emoções.

— Duda, tá tudo bem? — Gus disse se aproximando de mim e lançando um olhar reprovador para a garota. Eu somente assenti com a cabeça e limpei as lágrimas que insistiam em cair pelo meu rosto.

Cara, quem é feio, sabe que é feio. É totalmente dispensável alguém que fique lembrando isso.

Enfiei meu material que estava sobre a mesa com toda a raiva dentro da minha bolsa e caminhei com ela depressa para fora da sala e ainda por cima dei de cara com a professora.

— Onde vai? Ei! — nem sequer dei atenção para ela e continuei andando.

— Duda, o que foi? — Gustavo disse aparecendo ao meu lado e segurando meu pulso, me impedindo assim de continuar andando. Mesmo coberta de vergonha em desmoronar na frente dele o olhei, com os olhos marejados, muito semelhante a uma criança.

Ele não falou mais nada, apenas me envolveu em um abraço confortante e ficamos abraçados por um bom tempo alí, no meio do pátio, sem se importar se alguém fosse rir da gente ou coisa do tipo.

Ao que deixamos o abraço, fomos andando lentamente para a praça e sentamos sobre a grama.

— Fala pra mim... O que aconteceu Duda? — ele parecia mesmo preocupado.

— Nada — pronunciei em baixo tom de voz.

— Ei... — disse levantando levemente meu rosto para olhá-lo. — Você não estaria chorando por nada... Eu confiei em você, confia em mim também.

Respirei fundo umas duas vezes antes de começar a contar o que havia acontecido.

— Eu cansei Gus... — comecei a me desabafar sem nem me preocupar se ele iria compreender ou não, tendo o choro a tomar conta de mim. — Cansei de em todos os lugares perceber o cochicho ou deboche das pessoas em relação a mim. Se aqui fosse o único lugar, eu nem me importaria, mas não, em todas as escolas é a mesma coisa. Isso me machuca muito Gustavo. Eu sou muito fraca — confessei por fim ao mesmo tempo que refiz o coque em meu cabelo.

— Você não é fraca Eduarda, só deu ouvidos a essa pessoa. Mas quem te disse essas coisas? A Kátia? Aquela que tava sentada atrás de você?

— Foi.

— Aquela menina não tem moral nem pra comprar pão, não acredito que você ligou pro que ela fala... — acabei rindo de sua referência. — Mas foi só ela?

— Ela e o babaca do namorado dela.

— O Igor? — assenti com a cabeça.

— Conhece ele? — perguntei em dúvida.

— Preferia não ter conhecido, mas sim. A gente era bem amigos, mas aí ele vacilou feio comigo.

— Entendi — na verdade não muito.

— Mas Duda, tenta entender que... O que as pessoas acham de você é problema delas, só deixe que falem mas nem dê bola. Okay? Promete pra mim que não vai se entristecer por isso? — seu olhar pedia por uma resposta.

— Prometo.

A atitude do Gustavo realmente me surpreendeu e suas palavras me confortaram. Eu não imaginava que ele fosse se preocupar comigo da maneira que está, é estranho mas ao mesmo tempo bom.

Depois de um certo tempo alí conversando com ele, uns dois garotos vieram chamá-lo para a aula de Educação Física. Gus insistiu que eu fosse, mas não fui, apenas segui para o meu quarto na espera de que um meteoro acertasse a minha cabeça e tudo iria se resolver. Minha espera foi em vão, é claro. Então decidi descontar minha raiva e meu choro em algo que fosse prazeroso: Comida.

Pedi um pedaço grande de torta, três sonhos e uma latinha de refrigerante para a tia da cantina, que me olhou de forma surpresa. Não sei se foi pela comida que pedi ou pelo fato de que a essa hora eu deveria estar estudando e não me enchendo de comida. Tive que dizer a ela que eu ia dividir com minha colega de quarto. Ela não precisa saber a verdade mesmo.

Peguei minhas guloseimas e fui com elas para o quarto. Eu as comia sem peso na consciência enquanto folheava uma revista de moda, onde estavam estampadas aquelas modelos magérrimas desfilando de biquíni para todo o mundo. Fechei a revista no mesmo instante e a coloquei sobre o criado-mudo, sem parar de comer.

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