Durante o caminho, por mais que eu não quisesse lembrar, milhares de pensamentos ruins tomavam conta da minha cabeça, ainda que eu tenha vomitado todas as minhas percepções para o Tiago. Muitos maus pensamentos mesmo, tanto que só fui perceber que havíamos chegado ao cinema quando ele estacionou sua moto e perguntou se eu estava bem e respondi que sim, então, desci da moto e seguidamente retirei o capacete. Se eu me arrependi de ter vindo? Em parte sim porque meu corpo está aqui, mas minha cabeça atormentada está naquele hospital.
Neste momento, Maya, com toda a certeza do mundo, deve ter conseguido causar o que não fui capaz: uma boa impressão. Na verdade, a minha primeira impressão com a família do Gus não foi ruim, exceto para a mãe dele. E sobre Maya, eu diria que é compreensível o meu ranço para com ela, afinal, sua afabilidade durou pouco menos de dois dias. Estranho, não? Seria ciúmes do cara que é possivelmente pai do seu filho e meu amigo? Provavelmente. Embora eu ainda tente imaginar o que passa pela sua cabeça. Que eu vou engolir ele? Ou sequestrar, abusar e guardar em um potinho? Mas tenho que admitir que ela não é nenhum pouco feia, longe disso, entretanto, beleza não se põe à mesa, certo? É nítido sua hostilidade quando ficamos próximas do Gustavo, mas não entendi porquê eu ainda insisto, se eles tem algo maior do que eu que em breve irá nos afastar e unir os dois, como uma família. Logo eu não terei mais espaço e será como se nunca tivéssemos nos conhecido. É óbvio. E só eu vou sair magoada e voltarei a ficar sozinha, como sempre.
- Ei, Duda? Vamos? - perguntou Tiago, me fazendo distanciar de minhas frustrações e voltar ao tempo real.
- Ah, sim... Vamos.
Ele pegou o meu capacete e deixou na recepção junto ao dele. Comprou pipoca e refrigerante para nós dois e também os bilhetes para o filme que eu escolhi.
Faltavam dez minutos para iniciar a sessão que estava bem vazia até. E até então, eu não havia recebido nenhuma mensagem, nenhuma ligação, nenhuma notícia. Nada. Absolutamente nada sobre Gustavo.
- Você está preocupada não é? - Tiago perguntou me olhando e desviando o olhar para o meu pé, que colidia de leve seguidas vezes contra o chão, involuntariamente. E quando reconheci isso, tive que concordar.
- É, um pouco - forcei um sorriso e ele me olhava com atenção.
- Eu entendo. Mas você tem que pensar positivo e que vai dar tudo certo... Ou melhor, se quiser eu te levo agora para lá.
- Não, tá tudo bem. É só... Receio, não sei. Não precisa se preocupar.
Acredito que ele tenha ficado um tanto quanto chateado porque sua expressão mudou um pouco, como se deduzísse que eu não queria sua companhia, o que não é verdade, ou como se soubesse que de fato eu me arrependi de ter vindo. Talvez, sem perceber, eu tenha deixado transparecer isso, mas nem me dei conta, por outro lado, ele sim.
- Eu me preocupo com você, já disse, não quero que fique como eu fiquei por tanto tempo, apenas mentalizando o pior e me desgastando gradativamente.
Ele ainda me olhava amistoso e ainda assim tenso. Eu, de maneira nenhuma, desejara provocar essa situação totalmente desconfortável para nós dois, tanto que nem sei mais o que dizer que nos faça sair desse transe.
- Eu sinto muito - foi o que consegui e isso soou quase como um sussurro.
- Não sinta. Eu me recuperei, e estou aqui, querendo te ver bem diante de tudo isso.
Meu coração palpitou e quase derreteu ao ouvir isso. Aconteça o que acontecer, neste momento, tive a certeza de que eu não ficaria sozinha outra vez. Tiago tem se demonstrado um excelente amigo e eu não tenho dado a devida atenção que ele merece. Apenas o sobrecarregando com os meus milhares de problemas sem dar chance para ouvir os seus e tentar ajudar. Se eu não fazer algo para mudar isso, vou perder ele também e nem mesmo eu me perdoaria.
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A Volta Por Cima
RomanceEduarda Mendes é uma garota ainda em seu período escolar onde é vítima de bullying e acaba descontando toda a raiva da opressão na comida, o que acarreta mais problemas. Tem vergonha em dividir esse problema com os pais que nem são tão presentes ass...