Capítulo X

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Anippe Mahlab

Ergo a cabeça e deixo a água fria do chuveiro bater na pele do meu rosto. Valorizo cada segundo sozinha que tenho aqui, e fecho os olhos, imaginando que estou no meu apartamento, sozinha novamente.

Duas semanas se passaram, entre treinamentos individuais e treinamentos com armas em grupo.

Nas conversas pós-refeições, notei que há uma evolução geral do grupo no uso das habilidades específicas.

Akira consegue ler a mente de alguém específico cada vez mais rápido, num grupo cada vez maior. Bernard aumentou a velocidade e a quantidade de painéis que consegue atravessar sem se machucar. Sophia já consegue fixar seu clone no círculo e criar mais um, e Malika já congela objetos maiores. Ontem, Vladimir fez um pedaço de concreto flutuar a um metro do chão. Eu não desmaio mais em mudanças abruptas de cor, e a Aisha consegue produzir pequenas bolas de fogo nas mãos sem ter que sentir raiva para isso, apenas com concentração.

Mais uma vez o sol se põe. Olho com desgosto para minhas unhas curtas e limpas, desejando com todas as minhas forças um vidro de esmalte, ou qualquer cor nos lábios.

Saio do banho e me arrasto para me vestir lentamente, aproveitando plenamente os 15 minutos cronometrados que a OCRV disponibiliza para o banho.

- Quatro minutos! - uma voz feminina grita do lado de fora do banheiro, e batem à porta. Prendo rapidamente os cabelos num rabo de cavalo, calço os tênis e saio.

Vou à sala de refeições, para o usual jantar em grupo. Após terminarmos de comer, a voz de Mederi sai dos megafones acima de nós:

- Boa noite, queridinhos. Convocamos que todos acompanhem os guardas até a sala de reuniões.

Caminho atrás de todos, a contragosto, indo para a tal sala. Direita, esquerda, direita, escada; e chegamos a uma porta de mogno polido.

O guarda abre a porta e nos conduz para dentro.

É uma sala de paredes brancas e muito bem iluminada. Há lâmpadas LED que se enfileiram em toda a extensão das bordas de gesso do teto. Uma mesa de mogno retangular está no centro da sala, e, orientados pelo guarda, ocupamos as cadeiras ao redor dela. Me sento entre Bernard e Malika - ela, claramente, não se sente a vontade a respeito disso.

Um agente atacarracado entra por uma porta que eu ainda não havia notado. Ele tem a pele escura, como a maioria das pessoas que vivem no que sobrou do subúrbio do Cairo.

Diferentemente das outras pessoas da OCRV, que usam um uniforme completamente preto, esse homem usa terno cinza, camisa social branca e uma gravata listrada. Ele é corpulento e quase careca, como parece ser padrão por aqui. O homem para á cabeceira da mesa, e nos encara individualmente enquanto diz:

- Boa noite, crianças. Meu nome é Markus Herd. E estou aqui para esclarecer tudo o que vocês precisam saber acerca do que a Organização deseja de vocês.

***

Um silêncio tenso paira sobre nossas cabeças. Afinal, essa pergunta - O que estamos fazendo aqui de verdade? - martelou nas nossas mentes durante essas semanas. Agora, tão próxima da verdade, sinto medo de saber. Talvez seja melhor continuar mudando de cor nas câmaras de treinamento e atirando flechas nos alvos mais distantes, e sem saber de nada. Mesmo que tocar no arco me dê uma nostalgia dolorosa.

Olhando o rosto do agente, as feições de meus pais voltam á minha memória. A visão de dor, fome e sofrimento inunda minha mente, e aperto os lábios para impedir que um choro histérico comece ali mesmo.

- Sei que vocês não foram completamente informados a respeito do objetivo de sua... estadia compulsória - Markus prossegue. - Precisávamos construir uma base de confiança e, claro, treiná-los. Agora estão prontos para saber.

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