Terceiro Capítulo: Fração

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Publicado: 28/11/2016

Olhar pela janela de um carro em movimento é o mesmo que se prender a uma fração, ao menos tentei me manter interessada em observar a paisagem. Segundo a história da matemática, os egípcios foram a primeira civilização a utilizar cálculos fracionários em prol de suas plantações, seguidos pelos babilônios com a notação e, atualmente, a dos árabes e hindus. Uma verdadeira globalização do conhecimento numerador, denominador e parte-todo.

— Thamara.

Eu dispensava a preocupação de Rodolfo cada vez que o carro sacolejava na estrada de terra. O tempo em repouso ainda não mudaria o ocorrido, e tudo que necessitava era dos abraços e afagos da família. Para mim era uma forma de me sentir na totalidade.

— Estou bem, amor.

Geralmente eu era uma tagarela, só que dessa vez eu apenas observava a paisagem.

Ainda no hospital eu havia me portado como uma mulher forte, ouvindo e tentando compreender os motivos pelos quais perdi o bebê. Contudo,  sozinha com Rodolfo, fui capaz de extravasar toda dor que jamais pensei viver.

Só que ninguém havia me contado que a dor continuaria martelando meu coração e não existia um grupo de apoio para isso. 

— E você pretende me contar o roteiro de passeios em BH?

Encarei o perfil de Rodolfo rindo:

— Não!

Ele balançou a cabeça olhando-me de soslaio enquanto nos aproximávamos de Leotie. Já conseguia ver as árvores onde costumava me refugiar a qualquer hora do dia, meu pai havia montado três balanços que poucas vezes utilizamos juntos. Muitas turbulentas e inexplicáveis lembranças existiam sobre Carolina e José Pedro.

— Me prometa que não passarei muito tempo sozinho com Guilherme?

Franzi o cenho, abismada com a implicância boba.

—Vou tentar o mais afastado possível, desenhar uma linha dividindo cada lugar — dei uma piscadela tentando manter o ambiente livre de discussões. Era praticamente impossível modificar os dois homens teimosos de minha existência — Desde que me prometa esquecer o trabalho durante o recesso, sem telefonemas do escritório e nem pense em ler um único caso.

Percebi Rodolfo apertar os lábios.

— Nem tente me enganar, senhor Vieira.

Ele suspirou:

— Sabe que assim não terei nenhuma atividade, amor.

Cocei a testa impressionada com seu desinteresse no lugar que morei por vinte anos.

— Rodolfo, você prometeu...

Ele rapidamente me interrompeu:

— Vou manter minha personalidade trancafiada numa caixa. Além disso, estamos em recesso.

Revirei os olhos diante do seu exagero.

— Basta respirar fundo quando for além da conta, vida.

— Meu Deus! Por que deixo ser torturado uma vez por ano?

— Por amor, com certeza não é! — exclamei com uma risada — Admita que adora quando meu pai te chama de engravatado? — pedi enquanto já tirava o cinto de segurança e observava Loba na varanda.

Rodolfo estacionou franzindo o cenho.

— É bom se acostumar com Miss Vaqueira pelas próximas semanas.

Em Uma MatemáticaOnde histórias criam vida. Descubra agora