Décimo Quarto Capítulo - Estatística

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publicado: 23 de maio de 2020

O processo gestacional tinha vários significados atribuídos por mim durante as últimas três décadas. A primeira vez que participei desse contexto foi quando minha égua preferida, Esmeralda,  se tornou mãe.

Eu tinha seis anos e briguei com minha mãe quando confirmou que teríamos um novo potrinho em Leotie. Para mim não era certo, Esmeralda era só minha e eu morria de medo de perdê-la. Era a única animal de crina daquele estábulo em que  me afeiçoara.

— Thamara, isso não muda nada — Bianca continuou intercedendo, enquanto eu mantinha o semblante de contrariada — Sua Esmeralda está se saindo bem.

— Quais as estatísticas, mamãe?

E, minha mãe estava certa, Esmeralda teve um potrinho bonito e continuou bem mansa perto de mim. No final eu tinha me tornado a guardiã do Rajado e implicado meu pai com o nome horroroso que escolhi.

Com o passar dos anos comecei a atribuir a palavra gestação a outros acontecimentos, o habitual como o nascimento do meu irmão caçula,  também no sentido figurado com a aprovação no vestibular, aprovação em um concurso, algum projeto que levasse meses ou até anos para ser concluído.

Como se essa palavra pudesse definir os momentos mais difíceis para que eu tivesse esperança com o resultado final.

O resultado positivo!

— Você está nervosa?

Olhei por cima do notebook para Rodolfo deitado aos pés da cama.

— Não, e você?

— Desesperado.

Fui obrigada a fechar e abandonar o notebook no colchão:

— Esse é o Rodolfo que conheço? — impliquei, empurrando seu braço com o pé.

Meu marido respirou fundo, mantendo as mãos sobre o peito e encarando o teto:

— Meu estômago está enjoado.

— Vida, isso é ansiedade ou você comeu alguma coisa estragada?

Rodolfo finalmente olhou para mim, e maldosamente puxou minha perna.

— Ei!

— Thamara, e se não formos bons pais?

Sentei novamente:

— Vamos falar nossos piores pesadelos como pais — sugeri — Tenho medo que nossos filhos abandonem a escola antes de entrar para o ensino médio, comecem a usar drogas e sejam assassinados em algum beco.

— Thamara, isso é horrível.

— Tenho medo que eles um dia olhem para gente em uma discussão e digam que não somos seus pais — falei jogando minhas mãos para cima — Que em uma viagem soframos um acidente e por eles se tornaram órfãos de novo e voltem para o orfanato, Rodolfo — murmurei.

— Essa não foi uma boa ideia, Vida — Rodolfo argumentou, ficando de frente para mim.

— Podemos listar um milhão de coisas ao pensar na estatística que nos leve ao ruim, Rodolfo.

— Mas?

— Eu quero que a gente sinta essa apreensão pela novidade,  quero também que tenhamos boas expectativas.

— Como quando eles disserem o quanto a mãe deles é linda — Rodolfo disse, acariciando meu rosto.

— O primeiro recital de dança contemporânea?

Em Uma MatemáticaOnde histórias criam vida. Descubra agora