Cap. 01 - Um preço a se pagar

1.3K 63 10
                                    

Abro os olhos e encaro o teto com minha respiração se acalmando aos poucos.
Dormir se tornava cada vez mais uma tortura...
-Acorda logo lesma morta. - alguém chutava minha cama e logo todo o meu bom humor vai embora.
-Já estou indo Lady Melanie! - respondo sarcasticamente e ponho as cobertas de lado levantando-me em seguida. Sabia que se não o fizesse logo dormiria de novo e os pesadelos pareciam cansar-me mais do que quando eu estava acordada.
Arrumo minha cama e mando a Melanie o meu melhor olhar de você não perde por esperar quando a mesma passa por mim, graças a Deus, já arrumada, ou o conceito dela de arrumada, porque pra mim ela já podia entrar pro circo, ou uma boate de prostituição.
Não me leve a mal! Eu e ela éramos melhores amigas quando tinhamos cinco anos, daí eu fui adotada e quando meus queridos pais me devolveram uns sete meses depois ela não quis mais olhar na minha cara.
Acho que ela ficou magoada por ser deixada pra trás e então arranjou uma seguidora e as duas não perdiam qualquer oportunidade de me irritar, então com o tempo o sentimento se tornou recíproco.
Vou até o banheiro, que por sorte está vazio, e me tranco lá dentro. Tomo banho e visto meu uniforme de sempre, uma saia verde escura pouco menos de um palmo acima do joelho, uma camisa branca social, cuja gola escondia a gargantilha com pingente de concha em meu pescoço e uma gravata verde no mesmo tom que a saia pareciam um pouco grandes em meu corpo magro e pequeno. Eu realmente odiava aquele uniforme, parecia algo a ser usado no século passado ou então em um colegio inglês caro.
Pense pelo lado positivo Luna: pelo menos a cor combina com seus olhos.
Eu rio e reviro os olhos, sou mesmo patética, mas fazer o que não é? Encaro meu reflexo no espelho e mordo os lábios humidecendo-os e deixando-os um pouco mais avermelhados, depois prendo meu cabelo, que era cacheado e cor de chocolate ao leite, meu favorito, em um rabo de cavalo alto.
Eu parecia pequena e frágil como uma boneca, mas bem, como é mesmo a frase? Ah! Quem vê cara não vê coração, não é mesmo?
Passo lápis de olho preto e saio de lá, volto ao quarto e pego minha mochila e só então desco as escadas e vou pra cozinha, não esquecendo de desviar dos moveis e das crianças no caminho.
-Bom dia sra. Montês. -digo passando por ela e dando-lhe um beijo na bochecha. Sra. Montês era uma das poucas pessoas que eu gostava, é a cozinhera do orfanato e a única figura materna que eu conhecia. Ela era baixa, seus cabelos grisalhos estavam sempre presos em uma touca e tinha sempre um sorriso amável no rosto.
-Bom dia querida. Dormiu bem? -pergunta olhando-me sobre o ombro.
-Mais ou menos. -respondo observando ela dar papinha a John, um bebê de cinco meses que chegara a três semanas e que era tão fofo que eu não podia acreditar que alguém teve coragem de abandona-lo.
-Pesadelos de novo? - ela me olha preocupada e eu assinto. -Eu sabia que ela devia ter esperado você crescer mais...
-Não, eu tinha o direito de saber. E a senhora sabe que eu já tinha pesadelos antes.
-Sim, mas...
-A senhora vai demorar muito? Eu estou com fome. -interrompo mudando de assunto e ela balança a cabeça negativamente terminando de alimentar John.
Ela vai ao liquidificador e enche um copo com seu conteúdo que eu sabia ser minha vitamina favorita. Prepara rapidamente panquecas e derrama calda de morango antes de me entregar.
-Eu já disse que te amo? - sorrio dando uma boa garfada e ela sorri gentilmente.
-Sim meu anjo.
Tomo rapidamente meu café da manhã, me despeço e saio do orfanato a tempo de ver o ónibus virando a esquina. Mais um pouco e eu teria perdido.
Ele para no ponto assim que termino de atravessar a rua e eu entro logo atrás de Melanie. Ela vai sentar junto as suas amigas e eu me encaminho a um dos acentos vazios ao fundo, ponho meus fones e ligo meu mp3, um presente de Dona Emily, a diretora do orfanato.
Apoio minha cabeça no vidro da janela e observo as árvores e casas passando rapidamente até que ele pare novamente. As mãos portas se abrem e ouço um novo grupo de alunos entrando e depois alguém senta-se no lugar ao meu lado.
-Bom dia little bee. -Zack diz e eu viro-me pra ele dando-lhe um sorriso. Zack era meu melhor amigo e a única pessoa da minha escola que eu suportava. Ele tinha a pele escura como chocolate, seus cabelos eram cacheados como os de um judeu e seus olhos claros me lembravam a cor do âmbar. Era alto e magro, andava de um jeito engraçado e sempre contava piadas que eu nunca entendia. Nós formavamos dupla em qualquer trabalho e apesar de nos conhecer a pouco mais de um ano eramos inseparáveis.
-Bom dia Zack. -respondo por fim e diminuo o volume da musica até ser quase inaudível. -Já disse pra não me chamar assim.
-Desculpe. -seu sorriso some.
-Tudo bem. -sorrio tranquilizadora. -Como vai sua mãe?
-Melhor. -ele volta a sorrir parecendo um pouco incomodado e eu fico meio magoada. Ele estava mentindo pra mim, eu sabia, mas não ia pressioná-lo. Ele me contaria quando estivesse pronto, afinal eu também era a única amiga dele.

Não demora muito pra descermos e eu encaro a imponente construção a minha frente como . Winchester Wall era um colegio particular onde eu havia conseguido vaga graças a um programa do governo e, claro, minha inteligência, já que tive que fazer um teste. O predio era alto e extenso, com muros altos e grades cercando o terreno, tinha pelo menos uns seis andares e a arquitetura gótica sempre me dava calafrios. Era como se eu estivesse entrando em um castelo assombrado saído direto de uma das gravuras do meu livro de história.

Passo pelos portões e sigo pelos corredores ignorando as pinturas renascentistas e as armaduras de metal.
-Quanto tempo falta? -pergunto cruzando um corredor e andando mais rápido. Tinha quase certeza de que estavamos atrasados.
-Dois minutos. -anuncia acompanhando-me e logo estamos correndo em direção as escadas. Subimos e corremos até nossa sala e por sorte chegamos a tempo. Sento na minha carteira de costume, quase ao fundo da classe e observo Zack tomar o lugar atrás de mim. Eu nunca iria entender como ele corria tão bem, podia jurar que ele tinha algum tipo de deficiência nas pernas.
O sinal toca e eu viro-me pra frente bem a tempo de ver a Srta. Glusczak entrando na sala.
A tortura ia começar.

A semana passa rápido e quando a sexta-feira chega ao fim e as aulas terminam eu solto um suspiro de alivio. Não me entenda mal, não é que eu não goste de estudar, mas de uns anos pra cá tem se tornado muito cansativo, tudo isso graças a um probleminha chamado dislexia. Era como se as letras quisessem me provocar mudando de lugar e impedindo que qualquer coisa fizesse sentido, mas eu juro que me esforço.
-Cansada? -Zack põe os braços sobre meus ombros enquanto caminhamos pro refeitorio.
-Não vejo a hora de me jogar na cama. -fecho os olhos lembrando da sensação dos lençóis sob minha pele.
-E fofocar com as irmãs Smith? -completa e eu abro os olhos empurrando-o de leve.
-Você é um estraga prazeres. -resmungo lembrando das minhas atuais companheiras de quarto.
Entramos no refeitório já cheio, conversas altas e o cheiro da comida são nossa recepção.
Vamos pra fila e eu pego meu jantar, um prato com espaguete com molho vermelho, batatas e almôndegas. Escolho uma das diversas mesas de pedra e sento-me sendo seguida por um Zack com uma quase montanha de comida.
-Eu nunca vou entender como você é tão magro. -começo dando a primeira garfada e ele ri.
-Eu devo ter um metabolismo rápido..
-Você não engorda de ruim, isso sim. -falo observando-o devorar a comida rapidamente, o molho vermelho do macarrão manchando sua boca e a barba por fazer em seu queixo.
-Então eu sou uma má influência? -ele encara-me parecendo ofendido e eu sorrio de canto.
-Talvez.
-O que? -exclama e eu rio, meus olhos percorrendo o refeitorio lotado.
-Estou brincando. -respondo voltando minha atenção a comida novamente e ele faz o mesmo aliviado. Minha opinião era tão importante assim? Com certeza eu era uma influência bem pior que ele.
Terminamos nosso jantar e conversamos até que seja a hora do toque de recolher, então me despeço dele e vou até o dormitório feminino sob o aviso de que deveria tomar cuidado. Resta-me saber com o que.

Eu paro no banheiro feminino e quando saio as luzes estão apagadas e o corredor deserto, dando uma aparência marcabra normalmente atribuida a cenários de filme de terror.
Felizmente eu lembrava-me do caminho até meu dormitório. Não era muito longe, eu apenas teria que tomar cuidado pra não ser vista por nenhum inspetor.
Sigo andando e enquanto meus olhos não acostumam-se a escuridão, tateio as paredes de pedra fria e ligeiramente aspera tentando não esbarrar nas armaduras que apareciam a cada dez metros. Viro mais um corredor e mordo o labio quando um arrepio sobe cortante por minha espinha, era como se alguém me observasse, sentia seus olhos em mim atravessando meu ínfimo, observando-me atravez da minha alma.
Olho ao redor em busca de quem quer que seja e ouço um grave rosnado, acelero o passo, meu corpo inteiro entrando em estado de alerta e quando enfim consigo achar um par de olhos vermelhos e ameaçadores em meio a escuridão sei que já estou correndo como se minha vida depense disso.
E talvez essa essa fosse a mais pura verdade...

ΩΩΩ
Oi amores!!!! Esse veio rápido, não?
Capítulo dedicado a @Ari-filhadeposeidon , seja bem-vinda flor
O que acharam da Luna? O que será que vai acontecer?
Vejo vocês no próximo
Bjs com néctar!!

A Herdeira PerdidaOnde histórias criam vida. Descubra agora