Inglaterra, 13 de Junho de 2015.
Estou apaixonado por um demônio, e por isso estou condenado ao inferno. Receberei o castigo por nutrir um sentimento tão puro por alguém que joga no lado negro do tabuleiro. Minha história é bem diferente de tudo o que você já viu; mas caso já tenha visto algo parecido; o que eu realmente duvido, então conseguirá enxergar pela minha percepção. Apenas tente não me julgar. Não é algo comum, e com certeza deixaria os menos preparados, nos limites da linha entre sanidade e loucura. Quem de nós pode definir o que é normal e o que não é? Uma vez um jovem sábio me disse que, existem coisas que não se pode explicar, apenas sentir.
Apesar de já terem se passado décadas, ainda me recordo claramente. Sinto que meus dias estão contados, e a velhice já me consumiu quase totalmente. Hoje o tempo cobra de mim todos os anos em que minha morte fora atrasada. Então antes que eu seja levado, vou lhes contar como aquele anjo obscuro entrou em minha vida.
Foi há muito tempo atrás, mas lembro-me exatamente como tudo aconteceu. Tudo começou naquele período irracional da história, que ficou marcado pela "Caça às bruxas". Foi uma época dominada pela religião, onde a expressão, as artes e a ciência eram consideradas obras de Satanás. Na verdade, muitas coisas eram consideradas como artifícios do demônio, motivo pelo qual tantas mulheres conhecedoras das ervas medicinais e dos segredos na natureza foram cruelmente arrancadas de suas famílias e queimadas vivas diante de populações inteiras. A verdade não era livre, e você poderia ser condenado caso falasse demais.
Eu era filho de um respeitado dono de barbearia, frequentada apenas pelos cavalheiros da elite inglesa. Praticamente cresci dentro daquele lugar, vendo jovens e velhos entrar e sair todos os dias, vestidos em ternos simples, porém elegantes pra época, acompanhados de suas bengalas de madeiras nobres que indicavam seu nível social. Minha mãe falecera pouco depois de meu nascimento, vítima de uma peste que assolou a região. Então fui criado apenas por meu pai; Frederick Marshall, que felizmente teve ótimas condições de me sustentar sozinho e me concedeu seu sobrenome.
Morávamos em uma área considerada nobre, apesar de que não éramos ricos. Mas quando uma pessoa era muito conhecida – como meu pai era - isso não importava muito. Não havia escolas; então os filhos dos burgueses eram ensinados a ler e escrever pelos padres e bispos, aulas simples dadas dentro das igrejas, que também eram acompanhadas de longas e exaustivas lições bíblicas. Meu pai não era um burguês, não era um político, mas tinha amizades influentes, e por isso foi me concedido o direito de ser alfabetizado junto com as crianças da elite.
Meu nome é Jefferson Marshall. Aos dezesseis anos, comecei a ajudar meu pai na barbearia. Sua idade já passava dos cinquenta e cinco anos, e para ele já era hora de eu aprender o ofício para não morrer de fome depois que ele partisse. Eram tempos desumanos aqueles; muitas das vezes os camponeses passavam longos períodos de miséria, enquanto as áreas nobres eram muito bem alimentadas com o fruto do trabalho servil.
Sempre fui repreendido por meu pai que temia muito por minha segurança; pois naquele tempo, pessoas com ideais como os meus, não era bem vistos pela igreja que comandava praticamente toda a vida da sociedade. Para ser acusado de bruxaria, ou afiliação ao diabo, bastava usar vestes diferentes do comum, ou ser pego na mata depois das seis da tarde; e para ser castigado por desrespeito, bastava contestar uma ideia de alguém mais velho que você, falar sem permissão ou faltar na missa do domingo.
Era um estilo de vida bem pacato, tanto na cidade quanto nos campos. As pessoas falavam baixo, crianças não brincavam nas ruas, e o único trânsito eram as rústicas carroças levadas por mulas, pois os cavalos geralmente eram poupados e vistos como animais de luxo, não para trabalho. Eu cresci vendo tudo isso pela vidraça fumê da barbearia, ainda consigo sentir o cheiro predominante da fumaça dos charutos misturadas a águas de cheiro em fragrâncias campestres e amadeiradas dos clientes de meu pai. Mulheres não entravam ali, nem em tavernas, nem em nenhum local destinado aos homens. Naquele tempo a função das esposas dos burgueses era cuidarem da casa, dos filhos e do marido, enquanto as camponesas iam trabalhar nas plantações com seus maridos e crianças. Mas havia sim um local em que as mulheres mandavam, era uma casa afastada e sempre fechada, sendo guardada na porta por um homem armado, posteriormente fui descobrir que se tratava de um bordel, onde vários homens casados iam trair as esposas, ou aonde jovens rapazes iam para se tornarem oficialmente homens. Algo que pra mim; considerando todo aquele puritanismo, era contestável, muito contestável.
"Não fale se não lhe perguntarem", "Não conteste um homem mais velho que você". Eram algumas frases que sempre ouvia de meu pai, que sempre fez o melhor que pode, e me amou. Do jeito dele é claro. Sempre calado, eu apenas observava aquele ritmo lento de vida, enquanto no fundo eu desejava algo que acelerasse meu coração. Eu desejava todos os dias inconscientemente que a vida me surpreendesse; enquanto cumprimentava e me despedia de velhos ricos que entravam e saiam todos os dias daquele local, que sinceramente não me causavam empatia alguma.
Sempre calado, sempre observando, sempre obedecendo. Meu pai e eu sempre estávamos presentes em todas as missas, como ditavam os tradicionais costumes da época. Cumprimentava solenemente as esposas de nossos clientes retirando meu chapéu e curvando-me levemente em sinal de respeito. Assim eu cresci; e aos dezoito anos já me consideravam um perfeito modelo de cavalheiro inglês, o que pra mim era só uma obrigação. Mal sabia eu, que muito em breve essa redoma na qual eu vivia se partiria em pedaços, e cairiam todos sobre mim. Meu pai dizia, "Cuidado com o que deseja"; pois bem, ele estava certo. Eu desejei que algo mudasse minha vida, algo que fizesse meu coração acelerar, e principalmente algo que me tirasse da rotina. Eu pedi por aventura, uma dose de perigo e uma paixão que me consumisse. Bem, eu fui atendido.
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Atração Infernal
General FictionEstou apaixonado por um demônio, e por isso estou condenado ao inferno. Receberei o castigo por nutrir um sentimento tão puro por alguém que joga no lado negro do tabuleiro. Então antes que eu seja levado, vou lhes contar como aquele anjo obscuro en...