Os Olhos Com Necrose II

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Encontrei algumas velas presas às próprias lágrimas em fundos de pirex e outros conjuntos de cozinha como copos, xícaras e pratos. Peguei duas delas e apalpei meus bolsos procurando um
isqueiro. Não havia trazido nenhum outro objeto além dos descritos - e como não possuía nenhum auxílio de fogo -, resolvi adentrar a casa munido apenas de minha chave e o relógio...
Era mais gigantesca do que aparentava. Um cheiro podre penetrou minhas narinas ao descer as escadas que davam para um porão. Explorei a casa até onde minha vista era capaz de ver, e de repente, uma sombra cobriu o pouco de luz que vinha do pálido sol entre as nuvens... Era uma sombra humana com a mão erguida, segurando um serrote! Olhei rapidamente para trás e fitei um rosto que jamais vou esquecer... Era um rosto humano costurado com outras partes do corpo. Este carregava dedos apodrecidos, grudados à região das bochechas, como uma espécie de máscara.
Dedos que, quando os músculos se contraíam na respiração, friccionavam o rosto dando a impressão de que eles se moviam e tinham vida própria. Uma máscara de dedos cobrindo sua boca... que transtorno mental conhecido levaria um ser humano a fazer aquilo? Ele media aproximadamente 1,90 m de altura, tinha ombros largos e usava um colar de orelhas e narizes arrancados de outrem. Ainda, sobre suas sobrancelhas, havia costurado pedaços de lábios ressecados e cobertos de moscas. Se não estivesse há tantas horas sem comer, teria vomitado na mesma hora com tal odor e visão. Em sua mão direita, um serrote enferrujado com pedaços de carne nas pontas, e na mão esquerda, uma perna cortada um pouco mais acima do joelho da vítima. Era um assassino horrível, e seu rosto... aquele rosto... coberto de podridão e vômito... é impossível de apagar da memória.
Os olhos... aqueles terríveis olhos!... Com necrose! Cheio de larvas que se moviam como se estivessem no ventre de suas varejeiras. Além disso, eram puxados por finos arames farpados e enferrujados que desciam até seu pescoço, intensificando aquela expressão vazia de tortura amedrontadora. Os cabelos desiguais desciam sobre seu busto, e o corpo inteiro, que era desprovido de roupas... era feito de faces arrancadas e costuradas na própria pele. Por mais que eu tente... Eu jamais esquecerei essa cena.
Ao fitá-lo, meu coração acelerou os batimentos descontroladamente, de forma que podia-se ouvi- los pulsando forte. Ele agarrou-me pelo braço e colocou o serrote sobre ele. Tamanho susto endemoninhou meu corpo! Meus membros trementes se moveram involuntariamente, obrigando-me a correr para longe de tudo aquilo. Meu único desejo era abandonar aquela casa e esquecer aqueles olhos. Derrubava as panelas que estavam sobre a mesa e acordava a poeira. A casa parecia nunca ter um fim! É isso que o medo faz conosco: torna-nos vulneráveis ao tempo e a razão. O homem estava correndo atrás de mim e não alarmava uma só palavra dos dedos frenéticos que seguravam vômitos e salivas amareladas. Apenas corria atrás de mim com o seu serrote manchado e a perna decepada na mão.
Aqueles que já foram perseguidos ou amedrontados por alguém sabem o quanto é horrível estar nessa situação. Imenso terror me invadiu. Sustos e lágrimas não me eram escassos.
Derramavam de meu rosto como se minha própria alma escorresse de mim. De repente, correndo para longe daquele rosto inexpressável, tropecei sobre algum objeto macio e tombei por cima de algum outro de mesmo tato, que estava supostamente suspenso à minha frente. Caí no chão fétido e
gelado. Aquilo que havia empurrando ao tentar me equilibrar do tropeço parecia balançar repetidamente no escuro.

(CONTINUA)

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