O Inquilino

267 14 0
                                    

Parte 1
Hugo já estava farto do falatório irritante do corretor de imóveis.
- É sério, senhor Joshman - Dizia o corretor caminhando á frente de Hugo - Esse será um ótimo negócio para o senhor. Imagine comprar um casarão desses por apenas 100 mil reais! Deve convir que estamos te dando a casa de graça. Doze quartos, piscina e ainda uma bela sala de jogos! E toda imobiliada!
Hugo admirou a sala onde estava. Era um lugar amplo, com lareira muitas janelas. Ao fundo ficava a escadaria glamorosa que levava ao andar superior. Aquela casa era perfeita para alguém como Hugo. Um escritor solitário em inicio de carreira e depressivo. Hugo havia acabado de perder a esposa num desastre de carro. O chato dessa história é que no momento do acidente a mulher estava com um amante. Esse era o real motivo da depressão de Hugo. Não o falecimento da esposa, mas a traição dela.
- As histórias que contam são verdadeiras? - Perguntou Hugo admirando o enorme lustre que pendia do teto da sala.
O corretor quase deixou cair a prancheta que segurava no chão da sala.
- O senhor sabe? - Indagou ele encarando Hugo.
- Então é verdade.
O corretor fez que sim com a cabeça e Hugo sorriu.
- Então isso justifica o baixo preço da venda - Constatou Hugo.
- Foi em 1935 - Disse o corretor - Mas mesmo assim essa cidade não esquece. Salvação é uma cidade pequena e sofre com a falta de boas histórias. Se algo realmente importante acontece aqui, nunca mais esquecem.
Hugo se afastou um pouco do corretor e foi se sentar numa cadeira junto á lareira apagada. Ali acendeu um Lucky Strike e encarou o corretor indicando que queria ouvir a história.
- A familia Voltchock era composta por cinco membros - Começou a falar o corretor meio que embaraçado - O senhor Vitor Voltchock, sua esposa Solara, seu filho mais velho Cristan, a menina Jessica e por último a caçula Lara, que era só um bebê na época. Eram muito ricos. Familia vinda da Irlanda... todos respeitavam os Voltchock nessa cidade. Eles geravam empregos...
- O que houve com eles? - Perguntou Hugo impaciente.
O corretor passou uma mão pelos cabelos e continuou:
- Um dia o senhor Voltchock saiu numa viagem. Foi para a África.  Era uma viagem de negócios.  Ele voltou dois meses depois, mas voltou diferente. Quase não comia, quase não bebia e chegou até a parar de tomar banho. Ficava a maior parte do tempo sentado bem aí onde o senhor está. Fumando ou escrevendo num diário. Numa noite dessas em que se chove muito, o senhor Voltchock acordou, foi até a cozinha, pegou uma faca e aí...
- Matou a familia inteira - Concluiu Hugo.
O corretor fez que sim com a cabeça.
- O bebê ele jogou nessa lareira aí - Disse ele indicando para a lareira com o queixo - Espero que isso não lhe tire o interesse pela casa.
Hugo sorriu.
- Na verdade isso aumentou meu interesse - Revelou ele - Sou escritor e pretendo escrever uma história com fantasmas envolvendo uma velha mansão. Essa casa aqui vai me inspirar.
O rosto do corretor se iluminou com um sorriso de satisfação.
- Maravilhoso - Exclamou ele - Então a casa é sua! Vou deixar a papelada com o senhor e volto pra buscá-la na segunda, tudo bem?
O homem não esperou resposta. Parecia ter pressa em sair da casa. Hugo se despediu do homem e voltou para dentro da casa que agora era sua. Anos antes ele vivia num apartamento decrépito em Belo Horizonte mas agora era um escritor famoso. Ganhava bem e poderia desfrutar de uma boa vida. Ah se a vagabunda da sua esposa estivesse viva! A maldita vivia lhe dizendo que ele nunca chegaria longe na vida e agora ele dava entrevistas ao Jô Soares. "Chupa, Sonya!" Sim, meu querido. Ela morreu chupando! Mas chupando outra pessoa. Aquele pensamento fez Hugo sentir um estranho mal estar. Só quem já foi traído conhece a sensação.  Mas agora é hora de saber o que motivou Hugo a escrever histórias de terror. No inicio ele escrevia essas fanfics do Crepúsculo ridículas ou então algum romance idiota, mas numa bela noite algo extraordinário aconteceu. Eram 3 horas da manhã e o celular de Hugo tocou. Ele nem chegou a ver qual número era no identificador de chamadas.
- Alô?
Do outro lado da linha um silêncio incômodo fazia até eco.
- Alô? - Repetiu Hugo.
Um estalo e depois ele conseguiu ouvir uma respiração cansada. A pessoa do outro lado da linha estava chorando. Um novo estalo e depois outro.
- Eu amo você.
A voz era feminina e familiar. Parecia vir de muito longe e parecia cansada. Hugo se arrepiou e olhou o número na tela do celular. Um monte de "Zeros" e mais nada.
- Sonya? - Indagou ele confuso e amendrontado.
Um estalo e depois o "tututu" da ligação sendo encerrada. E aconteceu uma semana depois novamente e no mesmo horário. Continuou acontecendo e então Hugo parou de atender o celular naquele horário. Foi aí que algo ainda pior aconteceu.
Hugo se deitou tarde naquela noite. Ficou no Facebook escrevendo um conto romântico em um grupo qualquer. Depois de tomar um chá ele foi se deitar e como sempre, apagou a luz e tentou dormir no escuro. Sentiu que mechiam nas cobertas lentamente. A impressão que Hugo teve era de que alguém estava se deitando com ele na cama de casal. Ele aguardou em silêncio esperando que aquilo fosse apenas uma sensação criada pela escuridão do quarto. Sentiu uma respiração a seu lado. Um respiração pesada como se a pessoa tivesse asma. Sonya tinha asma, Hugo se lembrou naquele momento. Ela teve uma crise ao volante e por isso bateu o carro.
- Eu nunca trairia você.
A voz de Sonya falou bem ao pé de seu ouvido e Hugo saltou da cama em desespero. Acendeu a luz e percebeu que estava sozinho no quarto. Sonya ou o fantasma dela não estava ali.

Contos Para Não dormirOnde histórias criam vida. Descubra agora