Ela Não Vai Vencer Parte-1

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Cemitério. Uma manhã, de vento frio, mas os raios de sol que atravessam o topo das árvores em volta, avisam que será um dia quente. Talvez, ela tivesse um rápido arrependimento por ela estar agasalhada. Parada, em pé, cabeça baixa, mas não triste. Não hoje. Não há um sentimento exato. Mas não há vontade chorar. As duas mãos, encostadas sobre o peito, segurando um ramo de flores, comprado bem baratinho a entrada. Escolheu as mais bonitas que viu, mesmo assim, não se importou em ficar procurando pela mais bela. A preguiça havia falado mais alto. Eram margaridas amarelas. Clichê, mas, sim, eram as mais conservadas da banca. Será que importa mesmo a qualidade do presente que damos aos mortos? Se isso se trata sobre mostrar honra e respeito, podia-se dizer que o presente é aceitável dada as circunstâncias. Ela fitava o túmulo, Puxando o lábio para a direita, não era um sorriso. Era um desapontamento. Não está mais aqui. Ele não está mais entre nós. Ajoelhou-se, como uma criança que se prepara para pegar seus brinquedos, firmando o ramo de flores apenas na mão esquerda, para poder tocar a lápide com a direita. Passando os dedos e a palma da mão, sobre o nome do falecido. A lápide é fria. É mármore? É pedra? Não importa. Deposita as flores com delicadeza. Como se o já falecido ficaria irritado com movimentos bruscos. Inspira fundo... Mais fundo... Isso foi um bocejo?.. Abre o zíper da blusa, uma sensação de alívio vem com o vento que refresca. Não mais com calor... Não tanto. Não vai soluçar. Não hoje. Não vai ficar aos prantos. Não hoje. Pois a solução foi encontrada. Ela, com pensamento forte, olha para os lados, não pode haver ninguém ali para chamá-la de louca. Não havia ninguém, talvez apenas os passarinhos é que seriam testemunhas de sua confissão. O coração acelera. Ela já pensou que um dia diria isso a um túmulo?

-Ela não vai vencer. Hoje eu vou dar um jeito. Eu a desprezo. E vou humilhá-la. Nós vamos humilhá-la. Nós fazemos nossas próprias escolhas. Ela acha que pode decidir? Ela se acha boa o bastante? Hoje estou feliz. Porque sei que nada nunca mais será tão prazeroso, quanto rejeitá-la para sempre... Me espere. É Hoje.

O Vento sopra quase que como um aviso. Os galhos balançam. Uma dança macabra da natureza. Se é que aquilo foi provocado pela natureza.

-Viu só?.. Ela está brava.. (Entregava a fala com desdenho. Esboçava um discreto sorriso cínico)

Os passarinhos, antes cantantes, agora se sobrevoam em várias direções. O vento dá um último sopro, um pouco mais forte. Uma voz interior, ou exterior, ás vezes não distinguimos loucura, de pensamentos, de vozes.. A "voz" pronuncia o típico "Não faça isso". Na rebeldia, e na certeza de que era capaz de tamanho ultraje, a garota responde, a si mesma, ou para quem ou o que estivesse ali.

-Se eu realmente tivesse que ser detida. Você mesma tomaria as providências para me colocar no mesmo lugar que ele está agora. Mas você é impotente, pelo menos hoje você será...

Ela continua fixamente olhando para a lápide. Lê o nome daquele que hoje mereceu sua visita.

-Leonard... Será bom te ver de novo. Até mais tarde..

Se levanta, olhando para cima, cabelos pretos, não tão longos, touca vermelha, casaco preto, aberto, camiseta com nome de banda, jeans velho, botas marrom, olhos grandes, castanho claro cor de mel. Boca pequena. Rosto fino. Clarice. Com as mãos dentro dos bolsos do casaco, voltava a olhar para baixo, chutava uma pequena pedra, lábios puxados para dentro. 19 Anos, Aparência inocente. Teimosa. Rebelde. Doce. Vingativa. Magra. Pele clara. Virava de costa para o túmulo e caminhava, se embrenhando pelo cemitério onde logo chegaria a saída. Fora de sua visão, no túmulo deixado para trás, já longe, um grupo de folhas secas assoprados pelo vento.. ou não.. se agrupavam num redemoinho bem em cima da lápide. Naquela específica... O Sopro, como um suspiro de alguém cansado, quase parecia uma respiração. Atmosfera de ódio, de contas a serem acertadas... As folhas giram com violência. E num momento teatral, uma rachadura brutal e grotesca se faz na lápide de pedra, derramando em volta pedacinhos pequenos de pedrinhas do túmulo, e com isso, é dado o fim ao vento, e as folhas, que caem sobre ele violentamente, o show acabou. Ali, era a marca, uma mensagem. De que "Ela", a quem a garota, Clarice, se referia, não "gostou" muito daquilo...

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