Capítulo 7

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Conrado


— Desculpe Conrado, tivemos um imprevisto e não foi possível pegar o Gui ontem na escolinha — disse dona Cleuza, minha ex-sogra, se explicando ao telefone. — Nós recebemos um senador que é amigo do Alcides com a esposa aqui em casa e não tínhamos como sair.

— Poderiam pelo menos ter me ligado ou avisado ao Gui com antecedência — rosnei puto acomodado na cadeira na sala da delegacia. — Não se deixa uma criança de 8 anos esperando sozinha por mais de 1hora, dona Cleuza. Cadê a responsabilidade de vocês como avós?

— Ah Conrado, o senador e a esposa chegaram no momento em que nós estávamos saindo e acabaram ficando para o almoço. Eu me esqueci de avisar o Gui — ela tentava se justificar em vão, com suas desculpas esfarrapadas.

— Isso não tem justificativa. Gui ficou arrasado. Estava todo contente porque passaria o dia com vocês.

— Mas o senador é amigo de longa data e...

— Não quero saber dessa corja de políticos que seu Alcides faz parte. A maioria está sob investigação do Ministério Público Federal por escândalos de desvio de dinheiro público — retruquei, pois os escândalos envolvendo políticos de nosso país eram manchetes todos os dias na tevê.

— Credo! Alcides não faz parte disso. Ele só mantém as amizades de quando era deputado federal — disse incomodada.

— As amizades do seu marido não me interessam. O que é relevante são as visitas que vocês fazem ao meu filho — esclareci a situação. — Da próxima vez que vocês quiserem ver o Gui, terão que vir até a minha casa. Passe bem! — Não a deixei falar mais nenhuma palavra e desliguei o telefone.

Estava com dor de cabeça e abri a gaveta da escrivaninha em busca de um analgésico. A conversa com minha ex-sogra me deixou muito irritado a ponto de desencadear uma cefaleia.

Após tomar o comprimido, eu fechei os olhos e me recostei na cadeira. Não queria mais pensar na dona Cleuza e no seu Alcides. Eles receberam o recado e eu manteria minha palavra. Gui somente sairia na companhia deles novamente se eles fossem lá em casa buscar o menino. Estava cansado de aguentar desaforo dos dois. Isso já estava passando dos limites.

***

Fazia uma semana que eu havia conhecido a Simone e ela não saia da minha cabeça. Aquilo era algo inédito em se tratando de mim, que nunca pensei em uma mulher específica, e sim em várias. Eu não estava me reconhecendo.

Enquanto estava na delegacia, me focava no trabalho e tentava não pensar em mais nada. Eu me mantinha ocupado em exercer a minha função da melhor maneira possível. Ainda estava em estágio probatório e queria zelar pela minha profissão, desempenhando-a com responsabilidade e dedicação. Queria ser um exemplo para os demais da minha unidade e me esforçava para atingir esse objetivo.

Depois que Alice morreu, eu não tive relacionamento duradouro com nenhuma mulher. Não me envolvi emocionalmente e tampouco namorei sério. Para mim, ela era a única que eu amaria na vida e não haveria outra em seu lugar. Podia até estar sendo um pouco radical demais, mas era assim que pensava. E era assim que queria continuar: vivendo em liberdade, sem ter amarras com ninguém.

Por outro lado, tinha o Gui. Sabia que ele sentia falta da mãe e de tê-la ao seu lado. E isso me destruía por dentro. Ele ficava horas e horas olhando as fotos da Alice. Muitas vezes trancafiado em seu quarto, sem eu saber. Foram momentos muito difíceis que eu escolhi enfrentar sozinho ao invés de dividi-lo com alguém.

No início, Gui não falava na mãe até mesmo comigo e eu comecei a me preocupar com a sua introspecção. O meu filho era a pessoa mais importante no mundo para mim e eu faria de tudo para vê-lo bem e feliz. Então, por indicação da tia Myrthes, mãe do meu primo Edu, contratei uma psicóloga especializada para ele. Aos poucos Gui foi compreendendo o que havia acontecido e aceitando, em partes.

Desejo em Julgamento - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora