Tyler On
Depois de ouvir isso e pensar que era coisa da minha imaginação, viro pro lado oposto ao que estava, e vejo uma menina de cabelos escuros ao lado do meu cobertor. Dou um pulo. Não sabia se infartava rindo da situação ou se ligava pra polícia por invasão de domicílio, o que seria estranho. Olho pra menina que recém havia me notado, com uma expressão de pavor.
- Que-quem é você? - Pergunto.
- Quem é você! - ela exige de volta, meio mandona e limpando as lágrimas com a manga de sua reaglan preta e branca.
- Mas... - Falo sem entender e surpresa. - Eu sou... Eu... - Penso na resposta ridícula e complemento-a. - Tyler. - Ouço um trovão e olho pra entrada da cabine, voltando o olhar para a menina. - Quem é você?
- Alice. - ela responde, com a voz seca. Olha pela pequena janela da cabine e murmura alguma coisa. Se levanta e pra ver melhor o tempo lá fora fica na ponta dos pés, se apoia na parede e tenta olhar pela janela. Ela era relativamente baixa.
Segurei o riso.
- Acho que vai cho... - Outro trovão, e eu calo a boca. Alice vem em minha direção com os olhos ainda molhados e uma expressão de "o que eu faço agora, meu deus?".
- Que droga. Que droga. - ela repete sem parar - isso só acontece comigo!
Ela mete a mão no bolso procurando alguma coisa e se irrita quando parece que não achou o que procurava. A menina volta a se sentar e afunda as mãos no rosto murmurando mais coisas.
- Você... Precisa de ajuda? - Pergunto tentando tirar o desespero dela.
- Porque eu precisaria de ajuda? - ela responde asquerosa - malditos remédios. - sussurra num tom que eu sem querer ouço e começa a chorar novamente.
Ouso chegar perto pra tentar acalmá-la, mas a menina esquiva seu braço assim que minha mão toca o mesmo.
- Você é uma pessoa doente. - Falo espantada, tentando não rir da situação.
Alice franze o cenho e me fuzila com o olhar.
- O que? O que... E-eu não sou doente!
Ela começa a dar uma ligeira surtada.
- Tá bom. - Falo indiferente e sinto o barulho da chuva agora caindo. - Ah, não! Era pra você ter ido antes. - Falo, sem conter qualquer palavra. - Agora se você sair o vento vai te derrubar aí fora.
- Você acha que eu não sei disso? Só que eu moro longe e a chuva me pegaria no caminho. Eu não tô aqui agora porque eu quero.
A inquietude toma conta de mim. Até quando aquela "Alice" ficaria ali? Entro em luta psicológica entre jogá-la Farol afora ou aceitá-la ali.
Pego Se Eu Ficar debaixo da mochila e jogo pra ela, que bate na sua barriga e cai nas suas pernas.
- Toma, lê isso aí e vê se aquieta. - Falo me virando pra escolher na mochila qual livro ler.
Ela reclama quando o livro bate em sua barriga, mas depois fica em silêncio olhando para a capa do livro; o abre e estranhamente começa a ler.
Peguei o primeiro livro do Harry Potter e comecei a ler, encostada no canto da cabine, esperando não chegar perto de Alice. A chuva cada vez mais aumentava, e o vento adentrava onde estávamos. Com o tempo, Alice foi se aproximando pra cima do cobertor e acabou encostada na minha mochila. Não reclamei nem falei nada, apenas dei um olhar de canto e segui lendo.
Alice On
Eu me afastava mais na janela a medida que o vento de chuva entrava por ela e me alcançava.
Quando dei por mim, já estava do lado na menina. Continuei a leitura, que realmente havia me prendido, com algumas pausas para olhar a menina de canto. O silêncio tinha se instalado naquele lugar por algum tempo.
- Você já leu esse livro quantas vezes? - eu pergunto quebrando o silêncio e deixando Tyler um pouco surpresa.
- Eu acabei de ler pela primeira vez essa madrugada. Ele me deu um pouco de sono. - Fala ela me olhando sem entender o por que de eu ter chamado ela.
- Sério? Eu tô gostando. - eu disse fechando o livro e colocando o marcador na página em que eu havia parado.
Olhei para o livro que ela lia e meus olhos brilharam.
- Você gosta de Harry Potter? - perguntei curiosa e tentando puxar assunto.
- Essa é a segunda vez que leio toda a saga. - Ela fala sorrindo. - E você?
- Já li quatro vezes! - eu respondi devolvendo um sorriso tímido. - LUMOS MAXIMA! - conjuro fazendo a minha melhor cara e finjo estar balançando uma varinha no ar.
Ela ri.
- Accio! - Ela fala em resposta, mexendo as mãos no ar como se quisesse pegar o livro no meu colo. - Não funcionou. - Ela disse mostrando os dentes.
Nós rimos daquilo e ficamos conversando sobre livros e músicas. E por um instante eu esqueci da vida lá fora e a garota que havia acabado de quebrar meu coração.
Tyler se levantou e checou o tempo lá fora. Fiquei a observando. Ela era uma menina atraente, tinha o cabelo castanho, marrom/meio loiro, olhos escuros quase pretos, pele branca, uns 1,70 de altura. O seu estilo era um pouco parecido com o meu: indie, mas ela tinha uma pegada mais grunge. A menina usava um blusão cinza, camiseta quadriculada vermelho e azul, e uma calça jeans preta.
Ela se virou novamente pra mim.
- A chuva tá parando. - Ela fala apontando pra trás. - Você quer ficar aqui, ou que eu te acompanhe até sua casa? Já tá tarde... - Ela fala sem jeito, olhando pro lado e procurando algo para fixar o olhar a não ser pra mim.
Eu ponderei minhas opções.
1. Ir sozinha e não ter nada pra me distrair e como consequência voltar a pensar em Lauren e a língua dela na boca de outra garota.
2. Ir pra casa com uma garota totalmente desconhecida me acompanhando e talvez rir mais um pouco.
Eu nem acredito que pensei duas vezes. Dei de ombros.
- Você pode me acompanhar, a honra é toda sua. - eu falei soltando um risinho de leve.
- Só foi. - Ela fala rindo do que falei. - Confesso que não tinha gostado de você, mas agora me parece bem legal. - Ela fala se justificando. - Posso perguntar uma coisa?
Eu dei de ombro novamente
- Depois de você me deixar ficar aqui na sua... sua... casa (?), acho que você pode sim fazer uma pergunta.
Ela ri.
- Meu refúgio. - Ela fala brincando. - Por que você tava chorando?
Quando ela me pergunta eu fecho a cara num piscar de olhos.
- Eu gostaria de não falar sobre. - falei sentindo um aperto no coração - só o que eu posso falar é que tenho problemas.
- Ah, desculpa... - Ela fala, constrangida. - Vai ficar tudo bem, sempre fica. - Ela começa a descer as escadas pelo corrimão feito um bombeiro alucinado.
Observo ela descer deslizando pelo corrimão. No final da escada ela se desequilibra e cai desajeitada no chão e sinto uma vontade súbita de sorrir. Não por ela ter caído, mas um sorriso verdadeiro de quem estava se sentindo realmente bem.
Ela olha pra cima e me vê sorrindo. Seu rosto se transforma em algo que não conseguia definir. Talvez irritadiço.
- Isso não costuma acontecer, tá. - Ela fala, levantando-se. Ela olha pra cima e a vejo rindo do seu tombo. Ela olha pro relógio colorido no pulso.
- Garotinha, se seus pais se importam com você, devem estar aflitos. - Ela fala fugindo do assunto.
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Satellites
RomanceUm farol, duas meninas. Um só destino. "O problema não é o que fizeram com você; mas sim o que você fez com o que fizeram."